Brasil Real Oficial - Especial Pacote de Natal
As medidas oficiais tomadas por Bolsonaro na noite de Natal
Bom dia!
Segue uma edição especial do Brasil Real Oficial, com a análise detalhada da sanção do pacote anticrime e de outras duas medidas tomadas por Jair Bolsonaro e publicadas em edição extra do Diário Oficial da União.
Aos assinantes pagos, amanhã retornamos com a programação normal, incluindo algumas novas medidas publicadas hoje.
Aos demais assinantes, segue também amanhã a lista com outras cinco medidas normativas mais relevantes publicadas nesta semana pelo governo.
Um abraço,
Breno
Pacote anticrime
O essencial: Saiu o aguardado pacote anticrime, principal atração do Natal de Jair Bolsonaro. E o que ele autorizou, via sanção presidencial, é certamente um dos atos mais garantistas de seu governo, junto com a sanção do projeto de lei sobre abuso de autoridade - embora a lei traga um endurecimento evidente em relação a criminosos envolvidos com organizações criminosas e em relação à execução penal. O pai deste pacote, como se sabe, é o ministro Sergio Moro, mas muita coisa acabou sendo enxertada no projeto a contragosto do ex-juiz. E elas foram, em sua grande maioria, mantidas por Bolsonaro, contrariando grande parte de sua base de apoio lavajatista. Separei abaixo os pontos mais relevantes do texto que, dentro de 30 dias, irá entrar em vigor no país:
Fica criada a figura do juiz de garantias, basicamente uma antítese do que foi a atuação de Sergio Moro à frente da Lava Jato. É esse juiz que passa agora a ser responsável por controlar “a legalidade da investigação criminal e a salvaguarda dos direitos individuais”. É ele quem deverá ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal e quem irá decidir sobre pedidos de prisão ou qualquer outra medida cautelar, como escutas telefônicas ou operações de busca e apreensão. É dele também o poder de prorrogar inquéritos ou de determinar seu trancamento “quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento”. Outro ponto importante é o poder de julgar habeas corpus que seja impetrado por um preso provisório, por exemplo, antes do oferecimento de denúncia por parte do Ministério Público. Também passa a ser desse juiz o poder de homologar acordos de delação premiada que venham a ser fechados durante a fase de investigação. Importante ressaltar que não está claro, ainda, como os tribunais irão se adaptar a essa exigência de um juiz extra - ainda mais considerando um prazo de apenas 30 dias para a lei entrar em vigor.
No caso de prorrogação de inquérito por parte do juiz de garantias, isso poderá acontecer somente uma vez, por até 15 dias. Depois desse período, se a investigação não estiver concluída, o investigado eventualmente preso será imediatamente colocado em liberdade.
Todas as medidas cautelares tomadas pelo juiz de garantias, como prisões provisórias ou ordem para escutas, e que ainda estejam em curso quando o caso passar para a responsabilidade do juiz da instrução e julgamento deverão ser revistas no prazo máximo de 10 dias.
Juízes não podem mais decretar medidas cautelares de ofício, ou seja, sem que haja um requerimento nesse sentido pelas partes envolvidas.
As prisões preventivas deverão ser justificadas de “forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada”. Elas somente poderão ser determinadas quando houver prova de “perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”. Até aqui, bastavam a prova de existência do crime e “indício suficiente de autoria”.
As decisões judiciais deverão ser devidamente fundamentadas, agora com isto expressamente previsto em lei: o juiz, em sua decisão, precisará enfrentar “todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador”. Ele não poderá simplesmente citar conceitos jurídicos, jurisprudências, súmulas e reproduzir outras referências sem conexão clara com o caso concreto. Decisões carentes de fundamentação implicarão em nulidade.
Passam a fazer parte do Código de Processo Penal as audiências de custódia, que deverão ser realizadas em até 24 horas após a prisão em flagrante. Se o prazo não for cumprido, a prisão será considerada ilegal e o preso deverá ser colocado em liberdade. Na audiência, se for constatado que o preso é reincidente ou integra organização criminosa ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso restrito, será negada sua liberdade provisória, mesmo com medidas cautelares.
Nas negociações de acordos de delação premiada, o Ministério Público ou a polícia poderá determinar diligências antes da celebração do acordo, “quando houver necessidade de identificação ou complementação de seu objeto, dos fatos narrados, sua definição jurídica, relevância, utilidade e interesse público”.
Em casos envolvendo a administração pública, denunciantes que procurarem corregedorias com informações que resultem na recuperação de recursos públicos, por exemplo, poderão ser beneficiados por recompensa em favor do informante equivalente a até 5% do valor recuperado.
Para casos com pena mínima de até quatro anos e que não tenham envolvido violência ou grave ameaça, e nos quais o acusado confessar o crime, o Ministério Público poderá fechar um acordo de perdão (não persecução penal), desde que cumpridas algumas contrapartidas. Não precisam ser todas ao mesmo tempo, mas entre elas estão: reparação do dano causado à vítima, renúncia aos bens e direitos decorrentes do crime e a prestação de serviços comunitários por até dois terços do tempo de pena mínima. Isso não vale em algumas situações, como casos de reincidência e em crimes de violência doméstica ou agressão contra mulheres.
A pena máxima a ser cumprida na prática no Brasil passa agora de 30 anos para 40 anos.
A lei passa a permitir a instalação de escuta ambiental, ou mesmo câmeras escondidas, no curso de investigação ou instrução processual, mediante autorização judicial. O monitoramento não poderá passar de 15 dias, mas poderá ser prorrogado. A residência dos investigados poderá ser monitorada, já que Bolsonaro vetou trecho que impedia esse ponto. Fica permitido também o uso, pela polícia, da chamada “ação controlada” e da infiltração de agentes para a investigação de crimes de lavagem de dinheiro.
Agentes de segurança e militares designados para operações de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) serão sempre avisados, quase que imediatamente, quando forem alvo de investigação relacionada ao uso de força letal no exercício de suas atividades profissionais. Eles deverão ser avisados que estão sob investigação em até 48 horas após a instauração de inquérito. Esses policiais e militares terão dois dias para constituir defensor. Caso não o façam, a instituição à qual estavam vinculados na época dos fatos será intimada para designar um defensor para eles.
Condenados por crimes de maior gravidade (pena máxima superior a seis anos de prisão) poderão perder todo seu excesso de patrimônio - isto é, a diferença entre o valor de seu patrimônio e aquele que seja compatível com seu rendimento lícito. Isso vale para bens em relação aos quais ele tenha benefício indireto e também para os que foram repassados de forma gratuita ou irrisória para terceiros. Esse pedido deve ser feito pelo Ministério Público no momento da denúncia, já apontando o valor da diferença. A medida deve ter impacto, principalmente, sobre crimes de lavagem de dinheiro.
Fica criado o Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais, que ainda deverá ser concretamente implementado pelo Ministério da Justiça, com o objetivo de “armazenar dados de registros biométricos, de impressões digitais e, quando possível, de íris, face e voz, para subsidiar investigações criminais federais, estaduais ou distritais”. Os dados de presos provisórios poderão ser colhidos. Presos condenados por crimes dolosos, com violência de natureza grave, deverá ter seus materiais genéticos coletados na prisão caso isso não tenha sido feito no momento de sua chegada ao sistema prisional. A recusa do condenado é considerada falta grave.
Também fica criado o Banco Nacional de Perfis Balísticos, com o objetivo de “cadastrar armas de fogo e armazenar características de classe e individualizadoras de projéteis e de estojos de munição deflagrados por arma de fogo”.
Fica definida a chamada cadeia de custódia, referente ao tratamento dado a vestígios em cenas de crime - desde impressões digitais até cartuchos de bala. A coleta desses vestígios, que deverá seguir uma série de trâmites específicos, deverá ser feita, “preferencialmente”, por um perito oficial. Mas admite-se, portanto, na ausência de perito, que a coleta seja feita por policiais diretamente. Fica também “proibida a entrada em locais isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua realização”. Todos os Institutos de Criminalística deverão ter uma “central de custódia destinada à guarda e controle dos vestígios”.
Mudanças nas regras de progressão de regime. Se o condenado for reincidente em crime praticado sem violência, a progressão não acontecerá com o cumprimento de um sexto da pena, mas somente após o cumprimento de um quinto da sentença. Para condenados primários, mas por crime violento, a progressão só virá depois de cumprida um quarto da pena. Se for reincidente, somente depois de cumprida 30% da pena. Se for réu primário, mas condenado por crime hediondo, a progressão segue dependendo de 40% da pena cumprida, mas se resultar em morte passa a ser exigido o cumprimento de metade da pena, e sem possibilidade de liberdade condicional. Condenados por constituição de milícia ou por exercer comando de organização criminosa também precisarão cumprir metade da pena para ter direito à progressão de regime. Se o criminoso for reincidente em crime hediondo, ainda terá que cumprir 60% da pena, mas aumentando para 70% se o crime tiver resultado em morte.
Nos crimes de roubo, o uso de arma branca como ameaça implicará em aumento de até metade da pena. Se a ameaça é feita com uso de arma de fogo de uso restrito, a pena dobra.
O crime de roubo praticado com o uso de arma de fogo ou mesmo arma branca passa a ser considerado hediondo - e, portanto, com mais restrições em relação à progressão de regime. Também passa a ser considerado crime hediondo o “furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo” - como, por exemplo, a explosão de caixas eletrônicos. Também entram na lista de crimes hediondos o porte ou posse de arma de fogo de uso proibido, o tráfico de armas e o crime de organização criminosa (quando voltado para a prática de crimes hediondos).
Os tribunais poderão criar Varas Criminais Colegiadas para processarem e julgarem crimes relacionados a organizações criminosas ou milícias. Essa vara cuidará de tudo relativo ao processo, inclusive determinação de transferência para presídio federal e a execução penal.
No Tribunal do Júri, que julga essencialmente casos de assassinatos, caso uma sentença aplique uma condenação superior a 15 anos de prisão, a execução provisória da pena deverá ser imediata, devendo o juiz expedir mandado de prisão, sem prejuízo de eventuais recursos que vierem a ser apresentados.
A aplicação do RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) poderá ser aplicado por um período sequencial de até dois anos - até aqui, o limite era de um ano. As visitas permitidas passam a ser quinzenais, e não mais semanais, com duração de duas horas. A saída para banho de sol poderá ocorrer em grupos de até quatro presos. Até aqui, não havia essa previsão de saída em grupo. As conversas com os advogados não serão monitoradas. A existência de “fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada” já será suficiente para que seja determinada a prisão em RDD, ainda que não tenha sido cometida falta grave.
A posse de arma de fogo de uso proibido passa a ser punida com pena de 4 a 12 anos de prisão - até aqui, era de 3 a 6 anos, assim como a posse de arma de uso restrito. O comércio ilegal de arma de fogo também tem pena aumentada: passa de 4 a 8 anos, para prisão de 6 a 12 anos. O tráfico internacional de arma de fogo também tem pena aumentada significativamente, passando de período de reclusão de 4 a 8 anos, para prisão de 8 a 16 anos.
Vale ainda chamar a atenção para um veto específico determinado por Bolsonaro. Crimes contra a honra praticados em redes sociais, ou nelas divulgados, resultaria em aplicação do triplo da pena. No veto, Bolsonaro argumentou, entre outros pontos, que isso resultaria numa “superlotação das delegacias, e, com isso, redução do tempo e da força de trabalho para se dedicar ao combate de crimes graves, tais como homicídio e latrocínio”. Não deixa de ser um incentivo aos linchamentos virtuais.
Real Oficial: Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019
Escolha de reitores
O essencial: Não chega a ser uma ferida de morte na autonomia universitária, como alguns veículos fizeram parecer, mas uma medida provisória editada por Jair Bolsonaro altera de maneira substancial a forma pela qual é formada a lista tríplice para a escolha dos responsáveis máximos pelos institutos federais. Até aqui respeitando a paridade de peso entre professores, servidores e estudantes, fica valendo para esses institutos regra que já valia há tempos para as universidades federais: docentes devem ter peso de 70% nessa escolha. Fica agora também definido, de maneira geral, percentuais que antes eram definidos por cada universidade: servidores e estudantes devem ter o mesmo peso no processo de formação da lista tríplice: 15% para cada segmento. Outra novidade importante é que a eleição deve ser feita de forma direta, sem o “filtro”, por assim dizer, do colégio universitário, que reúne representantes dos segmentos. A votação deve ser feita, a partir de agora, preferencialmente de forma eletrônica. De qualquer forma, o poder do presidente permanece o mesmo: ele deve respeitar a lista tríplice, mas não necessariamente escolher o candidato mais votado nela.
Real Oficial: Medida Provisória nº 914, de 24 de dezembro de 2019
Cinema brasileiro
O essencial: Até setembro de 2021, os cinemas são obrigados a exibir filmes brasileiros por um número de dias pré-determinado, que é definido anualmente por decreto. No ano passado, Michel Temer não fez essa definição, que agora é retomada por Bolsonaro. Na comparação com o último decreto, de dezembro de 2017, muda muito pouca coisa na prática. A principal diferença é que o decreto deste ano estabelece números a serem cumpridos por empresa responsável pelos complexos - e não apenas por cada complexo separadamente. Os números permanecem muito parecidos com os decretos anteriores: mínimo de 24 filmes diferentes nos complexos de maior porte e em torno de 40 dias de exibição em complexos com 20 salas de cinema.
Real Oficial: Decreto nº 10.190, de 24 de dezembro de 2019