Oi, pessoal! Alguns avisos:
Este é uma edição especial do Brasil Real Oficial. Ela está sendo enviada para todos os cadastrados na newsletter e substitui a versão gratuita das sextas-feiras, que traz as sete principais medidas tomadas pelo governo na semana. Nesta edição, estão listadas oito medidas tomadas ontem pelo presidente Jair Bolsonaro. Projetos de lei enviados para o Congresso, como o que trata da autonomia do Banco Central ou de regras para o ensino domiciliar, não foram incluídos porque não são medidas concretas ainda. A tramitação no Congresso tende a demorar e é provável que haja modificações no conteúdo.
Além dessas medidas do pacote de 100 dias de governo, houve outras publicações na edição de hoje do Diário Oficial da União. Como de hábito, os assinantes pagos receberão a análise de todas elas, mas, excepcionalmente, essa entrega será feita mais tarde.
O envio do arquivo PDF com o consolidado da semana, também enviado às sextas-feiras para os assinantes pagos, será entregue amanhã (sábado).
Um abraço!
Breno
Corte democrático
O essencial: A medida mais radical do governo Jair Bolsonaro até aqui, na minha avaliação. Numa canetada, ele extinguiu todos os grupos de trabalho, comitês e conselhos criados por decreto ou outros instrumentos normativos inferiores até o fim do ano passado ou que, até aqui, não foram alterados pelo governo dele. Esses grupos, muitos de caráter consultivo, são a espinha dorsal do que existe hoje no país em termos de participação da sociedade civil nas discussões e eventualmente decisões do governo. A medida é forte, sem dúvidas, mas há exceções e alguns poréns. Principalmente, ela não vale para conselhos criados por lei. Não são poucos os que estão nessa situação, assim como não são poucos os criados por decreto. Além disso, será possível pedir a recriação de colegiados extintos. Mas isso dependerá do órgão responsável solicitar (e muitos não estão nem aí para grande parte dos conselhos hoje em dia) à Casa Civil até o dia 28 de maio e será necessário juntar resumos de reuniões que tenham sido realizadas por esses grupos desde o ano passado e as medidas encaminhadas nesses encontros. Além disso, será preciso justificar, no caso de grupos maiores, por que eles precisam ter mais do que sete integrantes. Ou seja, a tendência dos que forem mantidos/recriados é que haja redução no número de participantes.
Um pouco de contexto: Na mira de Bolsonaro, estão os conselhos criados durante os governos do PT, em especial a partir da instituição da Política Nacional de Participação Social, em 2014, que foi chamado por parlamentares e críticos à medida como “decreto bolivariano”, por aprofundar essa participação da sociedade civil (esse decreto, aliás, também foi revogado ontem). Mas há outros grupos nesse meio e que poderão ser afetados meio que por inércia. Onyx Lorenzoni, ministro-chefe da Casa Civil, diz que há 700 colegiados hoje no país e que a ideia é reduzir isso para 50. Para citar alguns fóruns nacionais criados durante a gestão do PT: Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Conselho Nacional de Combate a Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT, entre dezenas de outros. Pelo texto do decreto, grupos que se reúnam fundamentalmente para debater, sem encaminhamento de medidas práticas, terão prioridade praticamente zero.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Reuniões que envolvam membros em estados diferentes serão realizadas por videoconferência. Ou seja, o governo não vai bancar passagem de ninguém. Em caso de ser inviável a realização por videoconferência, será necessário estimar os gastos com passagens, demonstrando que existe dinheiro para isso.
Colegiados que englobem mais de um ministério só poderão ser criados por decreto - ou seja, diretamente por Bolsonaro. A exceção é para casos em que o colegiado tiver até cinco membros, todos do governo federal, durar menos de um ano, não ser deliberativo, se destinar apenas a questões internas da administração e não envolver viagens. Aí, nesses casos, poderia ser criado por portaria interministerial.
Colegiados previstos nas regras internas de universidades federais, como o conselho universitário, não serão excluídos. Permanecem como estão.
Em tese, pela redação do inciso I do art. 6º, a Advocacia-Geral da União terá que participar, obrigatoriamente, de qualquer colegiado com a finalidade de sugerir atos normativos.
Real Oficial: Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019
Generosidade ambiental
O essencial: O que já era relaxado, agora virou ainda mais. Em outro decreto, Bolsonaro facilitou a vida de pessoas e empresas que causam danos ao meio ambiente. Os multados pelo Ibama terão agora mais opções, mais facilidades e mais tempo para, em vez de pagarem a multa devida, obterem descontos generosos, parcelamentos de multa (sem perder o desconto) e prestação de serviços ambientais com mais opções e com mais desconto do que o que já tinha sido implementado pelo ex-presidente Michel Temer. Vamos aos principais pontos:
Um desconto de 30% era aplicado aos pagamentos de multa feitos durante o prazo de defesa, em primeira instância. Na nova redação, abre-se brecha para que esse desconto seja aplicado para o pagamento em qualquer momento do processo, e ainda com possibilidade de parcelamento.
Em caso de a empresa punida pelo dano ambiental optar pela prestação de serviço ambiental, o valor da multa a ser convertida será descontada em 60%, no caso de requerimento apresentado ainda na fase de conciliação, de 50%, caso isso aconteça durante o processo em primeira instância, e de 40% no caso de decisão nesse sentido apenas na segunda instância. Antes, em caso de projeto próprio, o desconto era de 35%. Agora vale os descontos maiores mesmo para projetos próprios. Além disso, os descontos só eram aplicados em caso de acordo em primeira instância.
Se a empresa optar pela prestação de serviço ambiental, ela não terá mais que apresentar um projeto para isso, como era exigido até aqui.
Agora, mesmo depois de confirmação da infração e do pagamento de multa em primeira instância, a pessoa/empresa pode pedir conversão da multa durante o desenrolar do processo em segunda instância.
O governo passa a ter a obrigação de estimular a conciliação nos casos de infrações administrativas por danos ao meio ambiente. No auto de infração, a pessoa/empresa já será convidada a participar de audiência de conciliação. Mas é convite, não é obrigatório. Caso agende audiência de conciliação, o prazo para apresentação de defesa só começa a contar depois da realização de audiência de conciliação. Ah, e a audiência poderá ser realizada por videoconferência, a critério da pessoa ou empresa multada.
Mesmo que não participe da conciliação ou sequer agende uma audiência nesse sentido, o autuado poderá escolher, por meio eletrônico, se ele topa pagar logo a multa com desconto de 30%, parcelamento o valor da multa ou converter a punição em prestação de “serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente".
Ações referentes a saneamento básico podem agora ser consideradas formas de prestação de serviços ambientais, assim como a criação de unidades de conservação e sua gestão, monitoramento e proteção.
Em casos de infrações ambientais que resultem em morte humana, segue vedada a possibilidade de conversão de multa em prestação de serviços ambientais. Uma boa vacina. Mas chama a atenção declaração dada dias atrás pelo ministro Ricardo Salles, que sugeriu que a Vale direcionasse o valor da multa aplicada pelo Ibama no caso de Brumadinho para ações ambientais.
Os autuados anteriormente que não pediram conversão de multa em prestação de serviços ambientais e que estiverem com processos ainda pendentes de julgamento até 8 de outubro deste ano, também poderão optar por uma daquelas possibilidades de acordo.
Real Oficial: Decreto nº 9.760, de 11 de abril de 2019
Abstinência contra drogas
O essencial: A nova Política Nacional sobre Drogas ignora totalmente ações de redução de danos. No texto anterior, do governo Fernando Henrique Cardoso, esse método de enfrentamento ao problema das drogas ilícitas e lícitas estava presente com destaque. Um trecho indicava, por exemplo, como pressuposto da política nacional "experimentar de forma pragmática e sem preconceitos novos meios de reduzir danos, com fundamento em resultados científicos comprovados". Agora, o centro da estratégia do governo Bolsonaro será forçar a abstinência - o oposto da lógica de redução de danos. O texto chega a citar “hospitais psiquiátricos” numa lista de meios de intervenção para tratamento e recuperação. Menciona também que a “orientação central” da nova política envolve “especialmente” a "posição majoritariamente contrária da população brasileira quanto às iniciativas de legalização de drogas".
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
O texto aponta o vínculo familiar e a "espiritualidade" como fatores de proteção ao uso de drogas, mas cita a "laicidade do Estado".
Fica aberta margem para ampliação de restrições à publicidade e ao comércio de bebidas alcoólicas: “As políticas e as ações de prevenção devem estimular a regulação do horário e de locais de venda de drogas lícitas e a tributação de preços como fatores inibidores de consumo, além da restrição da publicidade de tais drogas”.
A política propõe que conteúdos sobre prevenção ao uso de drogas sejam incluídos no currículo de escolas e universidades, desde a educação básica.
O texto volta a mencionar a questão tributária relativa ao contrabando - ponto polêmico que está em discussão no Ministério da Justiça. A ideia é que reduzir impostos pode desestimular contrabando de cigarros. Pela redação da política nacional, essa mesma lógica poderia se aplicar, potencialmente, a bebidas alcoólicas (destilados, fundamentalmente).
A política nacional também recomenda “a criação de mecanismos de incentivos, fiscais ou de outra ordem, para que empresas e instituições desenvolvam ações de caráter preventivo” e que aceitem em seus quadros egressos de tratamentos de dependência química.
As restrições hoje existentes ao tabaco, como imagens fortes em maços de cigarro, deverão ser aplicadas também ao narguilé e outros derivados de tabaco.
Plantio e cultivo de maconha, sem autorização da União (ou seja, para fins não medicinais autorizados), ficam expressamente proibidos.
Real Oficial: Decreto nº 9.671, de 11 de abril de 2019
Patrimônio mundial e privado
O essencial: O governo vai estimular diretamente o desenvolvimento de produtos turísticos (privados ou bancados por dinheiro privado) nos sítios do Patrimônio Mundial reconhecidos pela Unesco. Entre os sítios naturais estão as zonas de Mata Atlântica, a Amazônia, o Pantanal, a Chapada dos Veadeiros, Fernando de Noronha… E, entre os culturais, Ouro Preto, centros históricos de Salvador e Olinda, entre vários outros. Essa política, que ainda será regulamentada, prevê “estímulo às parcerias do Poder Público com o setor privado e o terceiro setor, com vistas à captação de investimentos em equipamentos, infraestrutura e à qualificação da oferta de serviços turísticos nos Sítios declarados Patrimônios Mundiais” e também o apoio para a elaboração de projetos e “modelos de negócio” para ações nessas áreas.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Na área ambiental, o decreto também prevê “o apoio à elaboração ou à revisão dos planos de manejo das Unidades de Conservação que constituem os Patrimônios Mundiais”.
Também está previsto o estímulo a projetos turísticos desenvolvidos por comunidades tradicionais, seja de forma associada a eles ou ofertados diretamente por eles.
Real Oficial: Decreto nº 9.763, de 11 de abril de 2019
Doação ou lobby?
O essencial: A partir de 12 de agosto, empresas e pessoas físicas poderão doar para o governo federal bens móveis e serviços relativos a “estudos, consultorias e tecnologias”. O governo vai aceitar doações inclusive de pessoas e empresas de fora do Brasil. Pode ser uma boa ou pode ser uma bela forma de grandes empresas darem ao governo amostras grátis de seus serviços para uma futura contratação - ainda que isso não fique explícito no ato de doação. O decreto veda doações que representem conflitos de interesse, por exemplo. Mas o conceito concreto de conflitos desse tipo ainda serão definidos futuramente. O governo vai fazer chamadas públicas para doação, indicando necessidades específicas, mas também vai aceitar “manifestações de interesse” a qualquer momento.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Vai ter um site para manifestação de interesses: reuse.gov.br. Hoje ele já existe, mas é utilizado apenas dentro da administração, quando um órgão oferece bens sem uso para aproveitamento por outro órgão.
Condenados por crimes contra a administração pública e improbidade administrativa, mesmo sem processo finalizado, não podem doar. Também fica vedada a doação em caso de conflito de interesses, cujos critérios serão definidos futuramente. No caso de empresa, se ela for devedora do INSS, também não pode doar.
Não pode ser feita publicidade da doação, mas o doador pode fazer "menção informativa" da doação efetuada em seu site. E o governo pode fazer menção nominal ao doador.
Real Oficial: Decreto nº 9.764, de 11 de abril de 2019
Alfabetização
O essencial: O olavismo venceu a batalha com os militares pela lógica essencial da nova Política Nacional de Alfabetização, com valorização do tal método fônico e da "alfabetização baseada em evidências científicas" - e não a aquela fruto direto dessas evidências científicas. A diferença é um pouco mais que semântica. De qualquer forma, o modelo previsto no decreto é adotado em vários países importantes, como Estados Unidos, Itália e Alemanha, entre outros. Inclusive, o decreto cita que o governo federal vai usar como referencial políticas exitosas "baseadas em evidências científicas" adotadas em outros lugares. A ênfase no ensino será em seis “componentes essenciais para a alfabetização”, que vão desde a consciência sobre os fonemas (o beabá, literalmente) até a compreensão de textos e produção de escrita.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
A família passa a ser reconhecida como "um dos agentes do processo de alfabetização".
Alfabetização deve ocorrer "prioritariamente" no primeiro ano do ensino fundamental.
“Expressão dramática”, ou seja teatro, e musicalização entram como práticas para o desenvolvimento de "habilidades fundamentais para a alfabetização".
Real Oficial: Decreto nº 9.765, de 11 de abril de 2019
Mais cortes
O essencial: A partir do Dia dos Namorados, 12 de junho, 13.231 cargos efetivos do governo federal (não os comissionados) deixarão de existir. A maioria deles está vago, mas há 916 deles ocupados, com pessoal de nível intermediário ou auxiliar. Entre os ocupados, os mais afetados são visitadores sanitários (642) e jardineiros (190). Entre os cargos aprovados, mas vagos, os cortes centrais são na área de saúde, com eliminação de 5.799 auxiliares de enfermagem e 4.044 agentes de saúde pública.
Real Oficial: Decreto nº 9.574, de 11 de abril de 2019
Comitê sem metas e prazos
O essencial: Sem definir nenhum prazo para apresentação de propostas, Bolsonaro criou um Comitê Interministerial de Combate à Corrupção. Formado por CGU, Ministério da Justiça, Ministério da Economia, Gabinete de Segurança Institucional, Advocacia-Geral da União e Banco Central, esse grupo vai se reunir somente uma vez a cada seis meses. Em compensação, será criado um comitê técnico, que, por sua vez, poderá criar grupos de trabalho para atuar em frentes específicas. Mas essas regras, inclusive da periodicidade de reuniões do comitê secundário, ainda não foram definidas.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Um ponto positivo, ao menos potencialmente, é que o comitê vai seguir as diretrizes da Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro). Nela, algumas ações definidas para este ano são de incumbência de órgãos que farão parte do Comitê Interministerial. Caso do Banco Central, encarregado de “propor medida(s) para aprimorar controles ou restrições ao uso, no mercado interno, de dinheiro em espécie, nacional ou estrangeiro, para efeito de prevenção a práticas ilícitas” e da Polícia Federal (MJ) e Receita Federal (Ministério da Economia), que deve “propor alterações normativas e/ou melhoria de controles para evitar a utilização de empresas de fachada para a lavagem de dinheiro e outros ilícitos”.
Real Oficial: Decreto nº 9.755, de 11 de abril de 2019