Brasil Real Oficial #046
As 7 principais ações oficiais do governo federal | 2 a 6 de dezembro de 2019
1) Denúncias contra o governo
O essencial: O presidente Jair Bolsonaro definiu procedimentos a serem seguidos para que cidadãos em geral possam denunciar práticas irregulares e ilegais na administração pública federal (inclusive estatais). A promessa é de garantia de sigilo sobre o nome do denunciante. Mas é promessa. A pessoa tem que se identificar no momento da denúncia, com a promessa formal do governo de que o nome dele não será espalhado para integrantes da administração, ficando restrito ao pessoal da Ouvidoria do órgão alvo da denúncia. Mais que isso, o governo promete no decreto manter a identidade do denunciante em segredo por 100 (cem) anos, assim como seu endereço e “quaisquer outros elementos que possam identificar o denunciante”. Denúncias anônimas ao governo, que ajudariam a resolver essa questão, não estão previstas. Outra brecha no decreto: “O órgão de apuração poderá requisitar informações sobre a identidade do denunciante quando indispensável à análise dos fatos relatados na denúncia”. As regras entram em vigor no dia 3 de março.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
As ouvidorias de cada órgão do governo devem ter sistemas eletrônicos para tratamento da denúncia recebida que deixe registrado o nome dos agentes públicos que tiveram acesso às denúncias e as respectivas datas de acesso.
As ouvidorias também deverão criar pseudônimos para os denunciantes na hora de enviar o teor da denúncia aos órgãos que irão apurar efetivamente os casos.
Real Oficial: Decreto nº 10.153, de 3 de dezembro de 2019
2) Privatização de parques
O essencial: A primeira ação concreta para a privatização de grandes áreas da natureza no governo Bolsonaro. Estão oficialmente incluídos na lista de propriedades do governo a serem concedidas para a iniciativa privada três parques nacionais bastante relevantes no país: os Lençóis Maranhenses, o Parque Nacional de Jericoacoara e o Parque Nacional do Iguaçu. No caso do parque do Iguaçu, que abriga as Cataratas, hoje a visitação já é administrada por uma empresa privada, mas ela atua de forma subordinada ao ICMBio, que ainda tem o controle da gestão. O plano do governo é que as empresas assumam, em relação a todos esses parques, não apenas a prestação dos serviços de visitação, mas também “o custeio de ações de apoio à conservação, à proteção e à gestão das referidas unidades”. É a transferência total da responsabilidade sobre a manutenção dessas áreas.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Em portaria publicada esta semana, o Ministério do Meio Ambiente deu mais uma cutucada na lógica pública do turismo em áreas de conservação. A pasta decidiu liberar a cobrança de taxas para acesso a “áreas que detenham valor histórico, cultural e religioso” por parte do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental). Até aqui, a cobrança permitida era para “áreas especiais, tais como trilhas de montanha, travessia, áreas de difícil acesso ou especialmente frágeis”. Com o conceito de áreas de valor histórico, cultural e religioso, esse leque se expande consideravelmente e de forma inclusive aberta a subjetividades. O que a portaria diz nesse sentido é que “as áreas submetidas a cobrança serão aquelas assim consideradas no plano de manejo [da Unidade de Conservação] ou definidas em ato do Instituto Chico Mendes, que indicará a sua forma de cobrança”.
Real Oficial: Decreto nº 10.147, de 2 de dezembro de 2019 e Portaria nº 691, de 4 de dezembro de 2019
3) Porteira aberta
O essencial: O conselho responsável por recomendar privatizações e concessões de bens públicos ao presidente da República vai ganhar mais liberdade a partir de agora. Em duas resoluções publicadas nesta semana, o Conselho do PPI (Programa de Parcerias em Investimentos) definiu menos amarras para si próprio. Uma delas simplifica o processo de privatização de empresas públicas de pequeno e médio porte - ou seja, com Receita Operacional Bruta de até R$ 300 milhões. O critério usado para o cálculo desse tipo de receita nos diferentes tipos de empresas públicas está definido na resolução. O próprio Conselho do PPI vai definir o preço mínimo de venda, a partir de avaliação de mercado e outros critérios. A resolução também dá carta branca para que o presidente do Conselho, junto com o ministro Paulo Guedes, decida diretamente, sem necessidade de aprovação dos conselheiros, a modalidade operacional a ser aplicada a cada desestatização, os ajustes necessários para as desestatizações, as condições exigidas pelo governo para que a privatização aconteça e a contratação de pareceres e estudos especializados que sejam necessários para a venda das estatais.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Outra resolução, com o objetivo de “simplificar e dar celeridade” às recomendações feitas pelo Conselho do PPI, define que as resoluções aprovadas no Conselho - com recomendações de privatizações, por exemplo - devem ser encaminhadas diretamente para deliberação do presidente da República, e já instruídas com exposição de motivos, nota técnica e parecer jurídico.
Real Oficial: Resolução nº 100, de 19 de novembro de 2019 e Resolução nº 101, de 19 de novembro de 2019
4) Tortura nunca mais
O essencial: Esta portaria do Ministério da Justiça trata de regras para o repasse de recursos do Fundo Penitenciário Nacional aos Estados e municípios até o fim deste ano, e elas seguem praticamente as mesmas do ano passado. Há, no entanto, uma diferença pontual e significativa politicamente: até aqui, os projetos a serem financiados com os recursos do fundo deveriam “levar em conta as recomendações formuladas” pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura - órgão que o presidente Jair Bolsonaro não é exatamente fã. Isso deixa de existir na nova redação. Em princípio, os estados ficam livres para decidir como aplicar esse dinheiro, sem ter que dar ouvidos ao grupo antitortura, desde que seguindo as delimitações do Artigo 3º da lei do Fundo Penitenciário Nacional, definidas há 25 anos, mas com algumas alterações importantes feitas em 2017.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
A portaria também permite que os recursos a serem repassados neste ano, e mesmo em anos anteriores, sejam efetivamente usados pelos estados e municípios até o fim de 2022. Até aqui, o uso deveria acontecer até o fim do ano seguinte ao do repasse.
Real Oficial: Portaria nº 879, de 3 de dezembro de 2019
5) Negócios garantidos
O essencial: O presidente Jair Bolsonaro sancionou parcialmente uma lei que pretende facilitar a obtenção de empréstimos e financiamentos por parte de pequenas e micro empresas, inclusive microempreendedores individuais. Trata-se da instituição da “sociedade de garantia solidária”. Na prática, é uma empresa S.A. que terá como objetivo central reunir capital que poderá ser usado como garantia em operações de empréstimo por parte de seus sócios. A lei entra em vigor daqui a seis meses. Os vetos determinados por Bolsonaro, a partir de recomendações da equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), na verdade ampliam as possibilidade de investimento nessas empresas. Uma das regras previstas no texto aprovado no Congresso era que os chamados “sócio investidores” - ou seja, aqueles que colocariam dinheiro na sociedade de garantia com o “objetivo exclusivo de auferir rendimentos” não poderiam ultrapassar o teto de 49% das ações da empresa. Agora, esse limite deixa de existir. Também foi vetado trecho que impunha um limite mínimo de 10 “sócios participantes” na empresa - aqueles que se beneficiam das garantias. Outro veto liberalizante é o imposto a artigo que limitava a “finalidade social” das sociedades de garantia solidária. Havia a previsão de que ela deveria se restringir à “concessão de garantias pessoais ou reais a seus sócios participantes”. Com a mudança, ela poderá atuar de maneira mais livre no mercado.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Podem ser sócios participantes dessas empresas pequenos empresários, microempresários e microempreendedores - ou seja, micro e pequenas empresas, e MEIs. Eles terão de pagar uma “taxa de remuneração” para a sociedade, ainda a ser regulamentada.
Além da sociedade de garantia solidária, fica ao mesmo tempo autorizada pela lei a criação de “sociedade de contragarantia”, com a função de oferecer contragarantias para a “sociedade de garantia solidária”. Esses dois tipos de sociedades serão reguladas e supervisionadas pelo Conselho Monetário Nacional, passando a integrar o Sistema Financeiro Nacional.
A proposta original foi apresentada ao Congresso em 2015 pelo deputado federal Esperidião Amin (PP-SC).
Real Oficial: Lei Complementar nº 169, de 2 de dezembro de 2019 + Mensagem de veto
6) Controle sobre a polícia
O essencial: Uma mexida importante nas regras relativas ao controle externo exercido pelo Ministério Público junto à polícia. Até aqui, os poderes do MP sobre a polícia não incluíam o acesso a dados de recursos humanos, mas agora fica aberta uma janela relevante: o Ministério Público, desde que para uso exclusivo em procedimentos de controle externo da atividade policial, poderá ter acesso a informações sobre localização, quantitativo e distribuição de policiais. É uma resolução do Conselho Superior de Polícia, assinada pelo diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo.
Real Oficial: Resolução nº 1, de 28 de novembro de 2019
7) Abertura das estradas
O essencial: Em agosto, comentei na versão paga da newsletter sobre uma resolução do Conselho do PPI que recomendava ao presidente a liberalização das estradas brasileiras, no sentido de permitir a presença de empresas estrangeiras operando rotas internas no Brasil e acabando com o limite para o número de autorizações para serviço regular de transporte de passageiros, “salvo no caso de inviabilidade operacional” - segundo a resolução, basicamente não haver vagas suficientes nas rodoviárias (leia mais aqui, no item “A abertura das estradas”). Pois bem. Agora, em decreto, o presidente Jair Bolsonaro cria a Política Federal de Estímulo ao Transporte Rodoviário Coletivo Interestadual e Internacional de Passageiros. A política é praticamente uma cópia da resolução de agosto, e nasce baseada em alguns princípios. São eles a livre concorrência, a liberdade de definição de preços, de itinerário e de frequência. Ou seja, o governo não vai pré-definir rotas e tabelar valores, ou coisa parecida. Também estão entre os princípios os conceitos mais vagos de “defesa do consumidor” e “redução do custo regulatório”.
Real Oficial: Decreto nº 10.157, de 4 de dezembro de 2019