Brasil Real Oficial #036
As 7 principais ações oficiais do governo federal | 16 a 20 de setembro de 2019
Boa tarde!
A semana foi menos movimentada que o comum no árido universo do Diário Oficial da União, mas ainda assim pipocaram algumas medidas importantes que, como é de hábito para quem lê regularmente a newsletter, acabaram passando batido pela imprensa.
Chamo a atenção para isso porque é uma boa forma de apresentar esse acompanhamento que eu tenho feito para os seus conhecidos: lendo o Brasil Real Oficial, você fica sabendo de muito mais coisa sobre o que de fato está sendo alterado no país do que a imprensa consegue te mostrar. Na edição de hoje, eu garanto que seis das sete medidas destacadas você não viu em reportagem nenhuma durante a semana.
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Um abraço e ótimo final de semana,
Breno
1) Controle pelo bolso
O essencial: Não foi obra do governo, mas agora caberá a ele dar eficácia à medida. Mudança importante na Lei Maria da Penha. Agora, agressores de mulheres, aí incluído agressões de ordem psicológica que demandem tratamento em rede pública, terão que ressarcir os gastos do SUS no atendimento à vítima. A nova previsão legal inclui a obrigação de ressarcimento de “todos os danos causados”, não apenas ao SUS. Isso inclui ressarcimento em caso de danos patrimoniais, por exemplo. Claro que nada será feito sem uma judicialização básica e há a tese de que um agressor não é freado pela perspectiva futura de ter que pagar a conta do hospital, mas é uma tentativa interessante. Os custos com aparelhos de segurança para monitoramento das vítimas ameaçadas também deverão ser ressarcidos. Câmeras de segurança e tornozeleiras eletrônicas por exemplo. O projeto de lei original é de autoria dos deputados Rafael Motta (PSB-RN) e Mariana Carvalho (PSDB-RO).
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Os novos trechos incluídos na Lei Maria da Penha envolvem não apenas o agressor nessa obrigação de ressarcimento, mas também aquele que, ao se omitir, permitir a agressão. Pela redação, parece um ponto vago, já que não está clara como essa omissão será efetivamente caracterizada. Mas é um ponto que agora poderá ser, quem sabe, regulamentado.
Real Oficial: Lei nº 13.871, de 17 de setembro de 2019
2) Mudanças no Itamaraty
O essencial: Mudanças foram definidas nesta semana na estrutura interna do Ministério das Relações Exteriores. Algumas são mais pontuais, mas outras que merecem destaque. Por exemplo, há brecha para um novo capítulo na polêmica da Apex-Brasil, que afetou o governo meses atrás: a reformulada Secretaria de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos ganha como nova atribuição assessorar o secretário-geral do Itamaraty em questões relacionadas à “promoção do comércio exterior, de investimentos e da competitividade internacional do País” - basicamente o que a Apex cuida.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
O Departamento de Defesa ganha novas atribuições, herdando parte do que até aqui era de responsabilidade do Departamento de Nações Unidas e do Departamento de Meio Ambiente - duas nomenclaturas que, convenhamos, não são as favoritas do chanceler Ernesto Araújo. Essa área vai passar, por exemplo, a “representar o Estado brasileiro perante mecanismos convencionais e extraconvencionais, relacionados à matéria sob sua responsabilidade, da Organização das Nações Unidas e suas agências especializadas e da Agência Internacional de Energia Atômica” e “tratar da promoção dos produtos de defesa, coordenar a participação do Brasil em eventos do setor e gerenciar o processo de concessão de autorizações para negociações preliminares e dos pedidos de exportação correspondentes”.
O Departamento de Organismos Econômicos Multilaterais deixa de atuar na proposição de diretrizes de política externa relativa a negociações econômicas internacionais na área da agricultura. Em tese, fica um poder maior diretamente para o Ministério da Agricultura, que conta com um time de adidos agrícolas espalhado pelo mundo.
A Agência Brasileira de Cooperação ganha mais poderes, passando a “planejar” e a “executar” programas e projetos de cooperação humanitária e técnica.
Acaba a previsão de que os cargos de Coordenador-Geral e de Coordenador da Consultoria Jurídica sejam privativos de membros da Advocacia-Geral da União.
A “Corregedoria, Inspetoria e Ouvidoria do Serviço Exterior” é cindida e passa a ser apenas “Corregedoria do Serviço Exterior”. A inspetoria e a ouvidoria passam para o guarda-chuva da Secretaria de Gestão Administrativa.
A Península Coreana ganha mais destaque na organização interna do Itamaraty. Ela passa a integrar o Departamento de Japão e Pacífico, que passa a se chamar Departamento de Japão, Península Coreana e Pacífico.
Real Oficial: Decreto nº 10.021, de 17 de setembro de 2019
3) Perfuração de poços
O essencial: O governo definiu regras para a perfuração de poços para captar água em regiões secas ou com abastecimento prejudicado em razão de situação de emergência ou calamidade pública. A norma publicada nesta semana tem como foco as áreas rurais, mas, em situações emergenciais, a portaria prevê que o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs) possa autorizar a perfuração de poços também em zonas urbanas. A regra geral também é no sentido de que os poços sejam perfurados em terreno de domínio público, mas, caso isso não seja possível, o uso de imóvel particular será permitido. Isso vai depender da concordância do proprietário, que deverá garantir uma área mínima de 25 m², “necessária para a perfuração e instalação, bem como, de construção de chafariz de água, que será de uso comum de toda a população da localidade circunvizinha”. Caso o proprietário não concorde com ver pessoas entrando e saindo de sua propriedade carregando baldes, então “será declarada a inviabilidade para a construção e/ou recuperação deste poço público”. Ou seja, não há previsão, por parte do governo, de judicialização para garantir a perfuração.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
A instalação dos poços só será autorizada se a vazão dele foi igual ou superior a 400 litros por hora. Em situações de emergência ou calamidade pública, poderá ser autorizada perfuração mesmo com vazão inferior àquele limite.
A promessa é de transparência. O Dnocs diz que vai publicar na internet a “lista dos poços perfurados com localização geográfica e qualidade da água do poço”.
Real Oficial: Resolução nº 3, de 28 de agosto de 2019
4) Produções audiovisuais
O essencial: No processo de aprovação de projetos audiovisuais com incentivo fiscal, a Ancine sempre determinou que, para que os recursos captados pelas produtoras fossem efetivamente movimentados, deveria ser feita uma análise complementar dos projetos apresentados, envolvendo um exame detalhado do “projeto técnico” - aí incluído o roteiro do filme, série ou outro formato pretendido. O que muda agora, em instrução normativa publicada nesta quinta-feira, é que, para solicitar essa análise complementar (e, portanto, a liberação do dinheiro captado), será preciso que o proponente já tenha garantido pelo menos 80% do financiamento do projeto - até aqui, esse percentual exigido era de 20%. Uma diferença bastante significativa e que tende a retardar o início das produções audiovisuais.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Para poder movimentar a conta, o proponente também precisa comprovar a “integralização” de 80% do valor total do orçamento. Desse percentual, metade tem que estar efetivamente disponível em conta, pronto para ser usado. A outra metade pode, se for o caso, ser representada pelos chamados “recebíveis” - dinheiro que futuramente irá cair na conta (por exemplo, contratos já assinados de patrocínio, de investimento ou de coprodução, contratos de convênio com entes públicos, etc).
Real Oficial: Instrução Normativa nº 149, de 17 de setembro de 2019
5) Terras na Amazônia
O essencial: O Incra, hoje comandado sob um forte viés ruralista, criou o Comitê Gestor da Regularização Fundiária na Amazônia Legal (Comitê Regulariza Amazônia) com a meta de combater a grilagem na região - ou seja, mexer com grandes “donos” de terra na região. O objetivo formal do grupo é “planejar e formular ações para agilizar a regularização fundiária em Projetos de Assentamento no Programa Nacional de Reforma Agrária e em áreas da União na Amazônia Legal”. Todos os integrantes do comitê serão do próprio Incra. O grupo será ainda integrado por 11 subcomitês regionais, um para cada superintendência do Incra nos estados da região.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Não há relação direta entre uma coisa e outra, mas acho que vale já mencionar por aqui: agora via lei, devidamente aprovada pelo Congresso, avança um pouquinho mais a agenda pró-armamentista de Jair Bolsonaro. Depois de tentar o mesmo via decreto, o presidente sancionou nesta semana lei que garante a residentes em áreas rurais a posse de arma não apenas na sede da propriedade, mas em toda a extensão do terreno. Ou seja, as armas de fogo não precisarão estar armazenadas apenas no imóvel principal de uma fazenda, mas também em outros pontos da propriedade.
Real Oficial: Portaria nº 2.017, de 17 de setembro de 2019 e Lei nº 13.870, de 17 de setembro de 2019
6) Denúncias de irregularidades
O essencial: Na semana passada, representantes de ouvidorias de órgãos públicos de todo o país se reuniram em Olinda (PE) para a assembleia geral da Rede Nacional de Ouvidorias. Uma das decisões, em tese, garantiria mais proteção para funcionários públicos, pessoas físicas e empresas que denunciassem às ouvidorias irregularidades em geral, inclusive corrupção. É a chamada “Norma Modelo sobre Medidas Gerais de Salvaguarda à Identidade de Denunciantes”. Mas a camada de proteção é, na verdade, bem tênue. O que a “norma modelo” prevê é que dados como nome, endereço e “quaisquer elementos de identificação do denunciante” terão acesso restrito e ficarão “sob a guarda exclusiva da unidade de ouvidoria responsável pelo tratamento”. Ou seja, o governo ainda assim teria esses dados do denunciantes. Apenas ficariam “protegidos”. Não há previsão de denúncia completamente anônima na norma aprovada. Tem mais: os dados do denunciante “poderão ser solicitados pelo agente público responsável pela apuração da denúncia”, caso ele demonstre que é necessário saber essas informações pessoais. Digamos que não é muito encorajador.
Real Oficial: Resolução nº 3, de 13 de setembro de 2019
7) Fiscalizações do Ibama
O essencial: O Ibama alterou diversos pontos de seu Regulamento Interno de Fiscalização Ambiental. Embora a maioria das mudanças tenha sido de ordem mais de redação, alguns pontos chamam a atenção. Principalmente, as previsões sobre o uso da força por parte de agentes ambientais. Até aqui, o regulamento dizia que os agentes só deveriam usar a força de forma “progressiva” e exclusivamente “em situações extraordinárias e extremas”. Essas amarras caíram. Agora o uso da força passa a ser permitido em qualquer situação em que a aplicação dela seja necessária para “o efetivo desempenho da ação fiscalizatória”. Não se fala mais em progressividade do uso da força, embora tenha havido a inclusão do termo “moderação” entre os “princípios essenciais” de uso da força (ao lado de legalidade, necessidade, proporcionalidade e conveniência). Outra especificação da portaria é que os agentes ambientais passam a ter de seguir as mesmas regras de abordagem definidas em portaria de 2010 para policiais federais, por exemplo (mais detalhes sobre essa portaria aqui).
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Agora, quando o agente do Ibama identificar uma infração cuja fiscalização caiba preferencialmente a outro órgão ambiental (estadual, por exemplo), o caso deve ser comunicado ao seu superior e a ninguém mais. Antes, esse agente tinha autonomia para já fazer comunicação direta com o Ministério Público. O contato com o MP, a partir de agora, caberá apenas ao superior hierárquico.
Real Oficial: Portaria nº 3.326, de 12 de setembro de 2019