Brasil Real Oficial #017
As 7 principais ações oficiais do governo federal | 6 a 10 de maio de 2019
1) Faroeste Brasil
O essencial: Possivelmente como forma de fugir de polêmicas antecipadamente, o governo anunciou a reformulação do decreto sobre controle de armas no país como se a grande mudança fosse a permissão para que colecionadores e atiradores pudessem transitar com arma carregada quando estiverem em deslocamento para treinamento ou para participar de competições. Antes fosse simplesmente isso. A polêmica oculta virou manchete de todos os principais jornais. Num decreto bem mais abrangente do que o publicado em janeiro, o presidente Jair Bolsonaro agora flexibiliza consideravelmente o porte de armas no país, a ponto de deixar aberta margem para judicialização de forma que outras categorias de profissionais, não contempladas no decreto desta semana, cobrem isonomia. Alguns dos pontos abaixo você já viu nos jornais. Outros - talvez a maior parte - eu acredito que não. Segue o fio:
Caminhoneiros, moradores de áreas rurais, advogados, vereadores, deputados e até mesmo jornalistas poderão andar armados em todo o Brasil - desde que cumpram os requisitos básicos para ter o direito de possuir uma arma: ser maior de 25 anos, fazer uma autodeclaração de “efetiva necessidade” (que está agora, na prática, reduzida a uma mera formalidade praticamente impossível de ser contestada) e ser aprovado em curso de tiro e passar em exame de aptidão psicológica. Também não pode estar respondendo a inquérito ou processo criminal e precisa também ter bons antecedentes. Mas, ainda assim, se a pessoa tiver sido condenada no passado por um crime em um estado diferente ao de onde mora atualmente, fica liberada a posse de arma (e, eventualmente, o porte, caso esteja nas profissões agora autorizadas).
Qualquer requerimento - seja de registro para compra de arma, seja de concessão de porte - terá de ser atendido pela Polícia Federal ou pelo Exército em até 60 dias a partir da solicitação. Se o pedido não for analisado no prazo, ele fica tacitamente autorizado - o que não impede eventual recusa posterior.
O decreto marca também o fim do monopólio da Taurus. Agora, armas, munições e outros produtos controlados pelo Exército que estiverem sendo fabricados no Brasil, com características semelhantes, não terão mais sua importação negada ou restringida. Além disso, as polícias militares e civis nos Estados, a Polícia Federal, a Abin, o Departamento Penitenciário Nacional, entre outros órgãos de segurança, terão automaticamente liberadas suas importações de produtos de defesa. Antes, essa prerrogativa era apenas das Forças Armadas. E isso não inclui apenas armas, mas outros produtos, como drones e radares.
O dono de uma arma de fogo de uso permitido poderá comprar até 5 mil munições por ano (13 por dia, em média) para cada arma registrada em seu nome - e agora com mais tipos de armas disponíveis, com maior potencial de dano. Para colecionadores, o limite não se aplica. E segue valendo aquele limite de quatro armas por pessoa.
Treinamento para futuros massacres: agora bastará uma autorização de um dos responsáveis legais para que menores de idade possam praticar tiro em clubes especializados. Até agora, esse tipo de exceção era permitida apenas mediante autorização judicial.
Para a aquisição de arma de fogo de uso permitido, a pessoa não precisará mais comprovar periodicamente a inexistência de inquéritos ou processos criminais contra ela. Apenas no momento do registro da arma de fogo. Mas, se estiver respondendo a processo ou inquérito por crime doloso, serão cassadas as autorizações de posse e de porte de arma. Nesse caso, a pessoa terá de entregar a arma para a polícia, em troca de uma indenização de valor a ser definido pelo Ministério da Justiça, ou transferir a arma para terceiro (nada impede que a arma seja passada para o nome de um parente, por exemplo). Mas caso o inquérito ou processo tenha como razão o uso da arma em legítima defesa ou "em estado de necessidade", não será cancelada.
O decreto de janeiro previa que a declaração de efetiva necessidade seria assumida como verdadeira, mas que a veracidade dessa declaração seria "examinada pela Polícia Federal nos termos deste artigo". Agora não há mais previsão de exame nesse sentido pela PF. Tudo agora é efetiva necessidade. Basta declarar.
Os colecionadores, atiradores e caçadores terão acesso a armas de uso restrito, desde que preencham os requisitos necessários, que, por sua vez, devem ser revistos a cada dez anos. Outra mudança boa para eles é que, quando entrarem com pedido de renovação de registro, eles já garantem automaticamente a renovação de forma provisória, até que o pedido seja efetivamente analisado.
Instrutores de tiro e os psicólogos credenciados para a aplicação do exame de aptidão psicológica deverão se registrar no Sinarm, da Polícia Federal. As regras referentes ao cadastramento de instrutores e psicólogos ainda serão definidos pelo diretor-geral da Polícia Federal.
Quem comprar arma, munição ou acessórios tem de informar à Polícia Federal ou ao Exército, em até 48 horas, informando a identificação de onde comprou o material e o endereço onde a arma, munição ou acessório serão armazenados.
Os dados do Sigma (sistema do Exército) e do Sinarm (Polícia Federal) serão compartilhados entre si e com o Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública. As regras de funcionamento desse compartilhamento de dados, no entanto, ainda serão definidos em ato conjunto da Polícia Federal e do Comando do Exército, no prazo de um ano.
Real Oficial: Decreto nº 9.785, de 7 de maio de 2019
2) Tutelas
O essencial: Na mesma semana em que passaram a ter direito a porte de armas, os conselheiros tutelares agora foram beneficiados diretamente pela sanção de uma lei permitindo que eles disputem reeleições de forma ilimitada nos Conselhos. Até aqui, era permitida apenas uma recondução para mandato de quatro anos. Por lei, cada município do Brasil deve ter pelo menos um conselho tutelar, formado por cinco conselheiros eleitos pela comunidade. Nas cidades grandes, o número é bem maior. A lei que permite a reeleição ilimitada é fruto de projeto do deputado Sóstenes Cavalcante. A justificativa é de que a medida vai beneficiar os conselhos tutelares bem avaliados, evitando mudança de gestão. Como de boas intenções o inferno está cheio, é bom lembrar que isso também permite a formação potencial de feudos. E é também bom lembrar que o deputado autor do projeto é unha e carne com o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus. E as igrejas notoriamente indicam representantes para disputar essas vagas.
Real Oficial: Lei nº 13.824, de 9 de maio de 2019
3) Segurança nos aeroportos
O essencial: Todos os agentes públicos, mesmo os fiscais da Receita Federal, policiais e integrantes das Forças Armadas terão que passar por inspeção de raio-X nos aeroportos para acessar áreas com restrição de segurança. Mesmo os agentes que trabalhem regularmente nos aeroportos deverão ser inspecionados. Há alguns poréns, no entanto, e que acabam servindo de meio termo em relação ao que vinham demandando os servidores da Receita, que já gerou inclusive operação padrão. O principal deles é que essa inspeção deverá ser feita de forma randômica, ou seja, a partir de uma definição aleatória. Ou seja, a obrigação existe, mas eles ficarão dispensados da inspeção na maior parte do tempo. Essa inspeção aleatória valerá para todos, inclusive policiais e militares. No caso de um agente se recusar a passar pela inspeção, agora também ficaram definidas multas. E ainda poderá "perder a prerrogativa de ser inspecionado aleatoriamente, passando a ser exigida a realização do procedimento padrão de inspeção de segurança aplicável às demais pessoas e passageiros".
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Os pontos de acesso a áreas restritas por agentess públicos deve ter câmeras de vigilância (com armazenamento das imagens por pelo menos 30 dias), controle de acesso individual e identificação biométrica.
No caso de acesso de veículos, todo o carro deve ser inspecionado e as demais pessoas que acompanhem o servidor credenciado deverão ser identificados. A inspeção é para verificar se não há pessoas escondidas, não autorizadas. A inspeção completa segue a lógica da inspeção randômica.
Antes, a definição de níveis elevados de ameaça, que implicam em medidas mais rígidas de segurança a serem aplicadas no aeroporto como um todo, eram definidos pela Polícia Federal em contato apenas com a Agência Nacional de Aviação Civil. Agora, esse contato deve ser feito também com os operadores dos aeroportos e com a Abin.
Para os cidadãos comuns, também há mudanças. Não existe mais a regra específica de que é preciso tirar o laptop da bagagem na hora de passar pela inspeção de raio-x. Mas não ficou claro para mim se isso realmente será dispensado, já que os passageiros devem seguir as recomendações dos agentes do aeroporto na hora da inspeção, e nada impede que a retirada do computador seja solicitada. De qualquer forma, a referência específica a isso nas normas de segurança não existe mais.
Foi incluída a inspeção por meio de “scanner corporal” entre os procedimentos a serem adotados no raio-x, para além do pórtico tradicional, do detector manual de metais e da revista pessoal. Sobre a revista pessoal, ela agora deve acontecer, via de regra, em local público. Mas, a pedido da pessoa inspecionada, poderá ser feita em uma sala reservada e com presença de testemunha. Antes, não havia previsão de busca pessoal em local público.
Real Oficial: Resolução nº 515, de 8 de maio de 2019
4) Segue o expurgo
O essencial: Há quase um mês, na celebração dos 100 primeiros dias de seu governo, Jair Bolsonaro assinou decreto anunciando a extinção iminente de diversos órgãos colegiados do governo. Agora, novo decreto efetivamente extingue dezenas deles e deixa mais claro o perfil do que de fato será atingido no processo de expurgo que será concretizado no dia 28 de junho. Entre eles, grupos que eram responsáveis pela gestão e execução de programas como o Ciência sem Fronteiras, o Viver sem Limites (Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência), o Brasil Sem Miséria, e até do PAC. Esses programas, embora não estejam oficialmente extintos, estão praticamente acéfalos, moribundos. Em tese, as atribuições desses grupos são herdadas pelo ministério que os coordenava. Na prática, a tendência é de que essas atribuições deixem de existir, ao menos em grande parte dos casos (ou não faria sentido simplesmente acabar, em vez de reformular, os grupos gestores). Vale também destacar o fim do Comitê de Articulação e Monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Outro grupo bastante simbólico agora extinto é o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, conhecido como Conselhão, uma das principais criações do início do governo Lula e que representava a tentativa de colocar o empresariado nacional no centro das definições de prioridades do país, ao lado da representação de trabalhadores. Veja a lista completa:
Câmara de Política Social do Conselho de Governo
Câmara de Políticas de Infraestrutura do Conselho de Governo
Câmara de Política de Recursos Naturais do Conselho de Governo
Câmara de Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional
Câmara de Política Cultural
Câmara de Política de Desenvolvimento Econômico
Câmara de Política Econômica
Comitê de Desenvolvimento do Sistema Brasileiro de Televisão Digital
Comissão Executiva Interministerial encarregada da implantação das ações direcionadas à produção e ao uso de óleo vegetal - biodiesel como fonte alternativa de energia;
Grupo Executivo Interministerial para acompanhar a implementação das ações de competência dos órgãos federais no Arquipélago de Marajó
Grupo Executivo Intergovernamental para a Regularização Fundiária na Amazônia Legal (2009)
Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal
Comitê de Articulação e Monitoramento do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
Comitê Gestor do PAC
Comitê Nacional de Biotecnologia (2007)
Comitê de Articulação Federativo (2007)
Comitê Executivo do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência da Rodovia BR-163 no Trecho Cuiabá/MT - Santarém/PA - Plano BR-163 Sustentável
Comitê Gestor Nacional do Programa Territórios da Cidadania
Comitê Gestor do Programa de Apoio à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação em Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (ProTIC)
Comitê Interministerial - TCU (CI-TCU), que será responsável pela coordenação da representação e da defesa extrajudicial da União e dos órgãos e entidades da administração federal direta e indireta perante o Tribunal de Contas da União
Comitê Gestor do Sistema Nacional de Registro de Identificação Civil
Comitê Gestor do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável - PDRS do Xingu (2010)
Comitê Gestor Nacional do Plano Brasil Sem Miséria
Grupo Executivo do Plano Brasil Sem Miséria (2011)
Comitê de Acompanhamento do Programa Minha Casa, Minha Vida (2011)
Comitê Gestor do Plano Viver sem Limite (Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência) (2011)
Comitê de Acompanhamento e Assessoramento do Programa Ciência sem Fronteiras
Comitê Executivo do Programa Ciência sem Fronteiras (2011)
Mesa Nacional Permanente para o Aperfeiçoamento das Condições de Trabalho na Indústria da Construção (2012)
Comitê de Gestão Integrada das Ações de Atenção à Saúde e de Segurança Alimentar para a População Indígena (2012)
Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (2012)
Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (2012)
Conselho Interministerial de Estoques Públicos de Alimentos (2013)
Comitê Gestor do Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento (2014)
Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência Social (2015)
Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (2016 - sob Temer, mas o Conselhão foi uma das primeiras e mais importantes criações do governo Lula)
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (2017)
Real Oficial: Decreto nº 9.784, de 7 de maio de 2019
5) AGU empoderada
O essencial: Em meio à polêmica sobre investigações do Coaf e mesmo da Receita Federal, a Advocacia-Geral da União, através da Procuradoria-Geral Federal, definiu nesta semana que sua equipe dedicada a ajuizar ações de improbidade administrativa, criada em 2016, não se limitará a remeter esses casos para a Justiça ou requisitar bloqueio de bens. A equipe agora ganhou poderes para ajuizar ações pedindo a quebra de sigilo bancário, fiscal, telefônico e de dados, além de demandar compartilhamentos de provas. Inclusive, relatórios mensais que a equipe é atualmente obrigada a apresentar internamente, na AGU, sobre todas as atividades judiciais e extrajudiciais realizadas no período não terão de incluir as ações de quebra de sigilo, quando essa comunicação puder comprometer as investigações. Tudo para embasar eventuais ações de improbidade administrativa, inclusive contra pessoas de fora da administração pública. Basta que dinheiro federal esteja envolvido.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
A AGU também definiu que o órgão poderá ajuizar ações de improbidade com base em documentos e informações obtidos em acordos de leniência firmados em parceria com a Controladoria-Geral da União. Nesse sentido, uma outra portaria publicada no mesmo dia, já define também que a prerrogativa de ajuizamento de ações do tipo a partir das leniências “caberá, exclusivamente, ao Procurador-Geral Federal".
Real Oficial: Portaria nº 399, de 29 de abril de 2019 e Portaria nº 401, de 30 de abril de 2019
6) Sistema S aberto
O essencial: As entidades do Sistema S terão de se submeter de maneira direta à Lei de Acesso à Informação. Até aqui, essas entidades eram consideradas dentro da categoria geral de entidades privadas sem fins lucrativos. Agora ela passa a ter de cumprir obrigações típicas de qualquer órgão público, mas sempre no que se referir à parcela de recursos recebidos do governo federal, via contribuições ou outras formas de repasses. O Sebrae, o Sesi, o Senai, entre outras organizações, terão que deixar disponíveis em seus sites "as informações de interesse coletivo ou geral por elas produzidas ou custodiadas" - entre elas, repasses ou transferências de recursos financeiros, execução orçamentária, licitações, contratos e notas de empenho e remuneração de funcionários. Como vai se dar essa separação entre recursos próprios e recursos repassados pelo governo não está claro.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
O detalhamento da execução orçamentária e financeira pelo governo, que é uma das obrigações da Lei de Acesso a Informação por parte de qualquer órgão do governo, vai ser objeto de análise dos ministros da Economia e da CGU para a definição conjunta do que será o "detalhamento mínimo exigido" para essas demonstrações. Aqui, é importante frisar, não se trata apenas do Sistema S, mas de todas as seções de transparência dos órgãos do governo.
Um pouco de contexto: As entidades do Sistema S, ligadas à indústria, têm sofrido um processo de desgaste no governo Bolsonaro, em especial por pressão do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele deseja que o governo assuma o comando dessas entidades, como mostrou reportagem recente da Folha de S.Paulo. Jogar uma lupa social sobre o caixa dessas instituições é mais um passo no sentido de expor eventuais problemas de gestão das entidades e tornar o ambiente mais favorável para uma “intervenção” do governo.
Real Oficial: Decreto nº 9.781, de 3 de maio de 2019
7) Saúde do frango
O essencial: Algumas mudanças aparentemente importantes no método de controle do processo de abatimento e preparo de aves para comercialização. Por exemplo, os tanques usados para resfriar os frangos por imersão em água gelada logo depois da retirada das vísceras dos animais tinham que ser limpos e desinfetados ao fim de cada período de trabalho (a cada oito horas) ou "quando se fizer necessário, a juízo da Inspeção Federal". Agora a regra envolve apenas que eles sejam limpos "pelo menos nos intervalos dedicados a higienização pré-operacional" - ou seja, apenas antes do início da operação do dia.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
O Ministério da Agricultura eliminou a obrigação de que estabelecimentos que não tenham graxaria (coleta e reciclagem dos restos das aves) tenham de instalar forno crematório para incinerar carcaças condenadas pela inspeção.
A exigência de atenção especial à esteira transportadora de carnes e de miúdos também deixa de existir. Pelas regras atuais, essas esteiras, sempre que usadas, devem "prever sistema de lavagem contínua com água preferencialmente morna".
Também caiu a tabela que definia o número de funcionários em "Linha de Inspeção" que cada abatedouro deveria ter, considerando a quantidade de aves mortas por hora. Em tese, as empresas agora ficam livres para definir os funcionários que deverão estar nesses postos.
Real Oficial: Portaria nº 74, de 7 de maio de 2019