Brasil Real Oficial #006
As 7 principais ações oficiais do governo federal | 11 a 15 de fevereiro de 2019
Olá!
Seguem as 7 medidas de mais impacto da semana, segundo a minha análise sobre 39 medidas normativas minimamente relevantes publicadas em Diário Oficial pelo governo Jair Bolsonaro nesta semana. Como sempre, deu trabalho, e muita coisa interessante (sobre Meio Ambiente, GSI, Banco Central, ANP, entre outros) acabou ficando de fora da lista final. Mas logo resolveremos isso...
Feedbacks são sempre bem-vindos. Então fique sempre à vontade para me escrever no breno@brenocosta.co ou simplesmente responder a este e-mail.
Ah, na segunda-feira eu volto com novidades!
Um abraço,
Breno
No Twitter, @_brenocosta_
1) Cinto frouxo
O essencial: As companhias aéreas, incluindo empresas de táxi aéreo, sempre possuem uma pessoa responsável pela segurança operacional da frota, seja de helicópteros, seja de aviões. Até essa semana, cabia à Agência Nacional de Aviação Civil determinar os critérios de “competência, experiência e treinamentos” que deveriam ser seguidos pelas empresas para definir essa pessoa responsável. Agora isso caberá diretamente às empresas. É a lógica do autorregulamentação do setor privado, pousando desta vez na área da aviação civil. Por ora, nada para ficar de cabelo em pé, mas o fato é que se uma empresa de táxi aéreo quiser contratar alguém sem grandes experiências (por ser mais barato e com mais opções no mercado, talvez?), o problema a partir de agora será dela.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
A lógica da desburocratização, que pode ser argumentada pelo governo, é relativa nesse caso, já que, em relação a outras funções importantes nas empresas aéreas, foram mantidas as exigências técnicas prévias da Anac. É o caso, entre outros, do piloto-chefe e do gerente de manutenção.
A resolução da Anac, por outro lado (positivo), aumenta o rigor sobre empresas e pessoas que tiveram envolvimento em irregularidades no passado. A agência não emitirá certificação para empresas que tenham colocado, “ou pretendam colocar”, em posições estratégicas (como diretor de segurança operacional, piloto-chefe etc) quem se envolveu, nos últimos cinco anos, em irregularidade que tenha gerado cassação ou cancelamento de certificados ou suspensão superior a 90 dias. Antes, essa verificação era restrita apenas aos últimos dois anos.
Uma possível brecha, no entanto: a resolução determina que esse impeditivo se dará apenas nos casos em que a pessoa “tenha comprovadamente responsabilidade direta pela causa da irregularidade”. A pergunta é: quem prova e quando prova? Eventualmente, o problema terá acontecido, mas o caso ainda estará sendo objeto de recursos na esfera administrativa ou judicial - portanto, sem comprovação final. A redação poderia ter sido mais específica aqui. Não foi.
Uma lamentável ironia: embora tenha sido assinada no último dia 7, a resolução foi publicada apenas no dia 11, data da morte de Ricardo Boechat, vítima de uma queda de helicóptero que voava em situação irregular.
Quem ganha: Empresas de aviação civil, em especial as de táxi aéreo, que terão liberdade para definir os critérios para a contratação de seus diretores de segurança operacional.
Resuminho pra compartilhar nas redes: Empresas de aviação não precisarão mais seguir critérios definidos pelo governo para contratação de diretor de segurança de operações. Mais detalhes na newsletter Brasil Real Oficial. http://bit.ly/realoficial006
Real Oficial: Resolução nº 503, de 7 de fevereiro de 2019 (Agência Nacional de Aviação Civil)
2) É proibido proibir
O essencial: Empresas que vendem produtos para a saúde (de medicamentos a cosméticos) terão mais possibilidade de seguir funcionando e comercializando esses produtos mesmo quando a vigilância sanitária determinar a proibição de venda deles. Os recursos apresentados pelas empresas à Anvisa terão, sempre, efeito suspensivo (ou seja, o poder de suspender os efeitos da proibição até que haja uma decisão final). Embora um decreto presidencial de 1999 tenha definido efeito suspensivo aos recursos, uma resolução da Anvisa de 2008 previa que, em caso de decisão, por exemplo, pela proibição de venda, o efeito suspensivo não poderia ser aplicado. Agora, uma empresa que recorrer da suspensão de comercialização de um produto conseguirá manter à venda seu remédio, creme, óleo ou seja lá o que for a partir do momento em que entrar com recurso.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
A não aplicação do efeito suspensivo valia também para decisões que, se não fossem cumpridas de imediato, colocariam em risco a saúde humana. Em relação a esses casos, a partir de agora, uma avaliação sobre um eventual efeito suspensivo ainda dependerá de decisão da Diretoria Colegiada. Ou seja, uma decisão de proibição só vai valer de imediato se a empresa não entrar com recurso contra a decisão - o que é bem improvável.
Recursos em segunda instância na Anvisa serão julgados agora pela Gerência-Geral de Recursos, criada em resolução de dezembro passado, e não mais diretamente pela Diretoria Colegiada. Antes, a DC era a segunda e última instância de recurso.
Quem ganha: Farmacêuticas e laboratórios, que agora terão mais uma etapa de recursos, com efeito suspensivo vigente a priori, para convencer a Anvisa a aceitar seus argumentos. As decisões da Gerência-Geral de Recursos serão tomadas por maioria simples, o que expõe esses servidores a pressões de laboratórios de grande porte, por exemplo.
Resuminho pra compartilhar nas redes: Anvisa abre brecha para que medicamentos e cosméticos possam seguir sendo vendidos mesmo depois de ter sua comercialização proibida. Mais detalhes na newsletter Brasil Real Oficial. http://bit.ly/realoficial006
Real Oficial: Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 266, de 8 de fevereiro de 2019 (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)
3) Revisão de multas
O essencial: Foi necessário um empurrão da Controladoria-Geral da União, mas o Ministério da Agricultura vai passar um pente fino nos autos de infração emitidos contra empresas do setor agropecuário (frigoríficos, abatedouros etc) que tenham prescrito nos últimos cinco anos - ou seja, que o governo não terá mais como cobrar, porque as multas impostas caducaram. A Secretaria de Defesa Agropecuária determina que sejam investigadas “as possíveis causas e as unidades onde os processos se encontram”.
Brecha em potencial:
Em nenhum momento, a portaria determina alguma ação em relação a casos de autos de infração que ainda não prescreveram, mas que estejam perto desse limite. Isso, aliás, foi uma das principais recomendações da auditoria da CGU que motivou a publicação da portaria do Ministério da Agricultura: “melhoria no gerenciamento das multas, de modo a mitigar o risco inerente de prescrição de valores que atualmente alcançam R$252 milhões”. Se tiver coragem de ler as 47 páginas da auditoria completa, aí vai o link.
Quem ganha: Ainda que parcialmente, o poder público. A revisão das multas prescritas pode acarretar, numa visão otimista, consequências para as empresas do setor que escaparam do pagamento de multas nos últimos anos. Ao mesmo tempo, a portaria parece tímida em relação àquilo que ela poderia ter sido. Mas novas medidas ainda podem ser tomadas no futuro para melhorar o gerenciamento das multas aplicadas. A conferir.
Resuminho pra compartilhar nas redes: Multas já prescritas contra frigoríficos serão revistas, mas punições ainda válidas, mas pendentes de pagamento, são ignoradas em portaria do Ministério da Agricultura. Mais detalhes na newsletter Brasil Real Oficial. http://bit.ly/realoficial006
Real Oficial: Portaria nº 17, de 8 de fevereiro de 2019 (Secretaria de Defesa Agropecuária)
4) Humanidade segundo Jair Bolsonaro
O essencial: Depois de ter restringido os direitos de benefícios assistenciais de presos em regime fechado, o presidente Jair Bolsonaro agora decretou um “indulto humanitário”. Como estamos falando de alguém que nunca deu pelota para direitos humanos, o caráter humanitário aqui é bem restrito. Somente terão direito ao indulto pessoas paraplégicas ou cegas ou com doença que não possa ser tratada na prisão ou que estejam em estado terminal no caso de câncer, tumor ou HIV positivo. Mas não são só esses os critérios. Primeiro, a questão da deficiência física só vale se o problema aconteceu depois da prisão ou em decorrência do ato criminoso. Outra exceção: se o sujeito for traficante de drogas, ele só pode ser liberado se for réu primário e não fizer parte do PCC ou de alguma outra facção. Na prática, aqueles presos com deficiência ou gravemente doentes só serão perdoados da pena se tiverem sido condenados por crimes como estelionato, furto, crimes digitais, tráfico de animais silvestres e outros sem emprego de violência.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
O decreto veta a concessão de indulto para condenados por crimes hediondos (homicídio, latrocínio, sequestro, estupro, entre outros), outros casos que envolvem a prática de "grave violência" (Lei Maria da Penha?), além dos crimes de tortura, de organização criminosa (muitos dos condenados pela Lava Jato) e terrorismo. Corrupção passiva e ativa, peculato (desvio de dinheiro público) e tráfico de influência também são considerados imperdoáveis por Bolsonaro, assim como assédio sexual e estupro de vulnerável (atos libidinosos com menores de 14 anos).
Não apenas traficantes de droga em geral ficam de fora do indulto (salvo as exceções citadas lá em cima), mas também as “mulas” e mesmo quem planta maconha, por exemplo.
Quando ainda houver recurso do Ministério Público tramitando após condenação de segunda instância - ou seja, para aumento de pena - o indulto não é aplicável.
No caso de pessoa condenada por crime passível de indulto e, ao mesmo tempo, por outros que seja impeditivo à concessão do benefício, o indulto somente será concedido depois que for cumprida a pena pelo crime mais grave.
Quem ganha: Poucos integrantes do sistema prisional. Basicamente, presos mais idosos condenados por crimes sem emprego de violência, que não estejam associados a facções criminosas e que sejam réus primários.
Resuminho pra compartilhar nas redes: Indulto humanitário de Bolsonaro vai manter presas pessoas em estado terminal e com doença grave, caso seja corrupto, traficante, assassino ou estuprador. Mais detalhes na newsletter Brasil Real Oficial. http://bit.ly/realoficial006
Real Oficial: Decreto nº 9.706, de 8 de fevereiro de 2019
5) Benevolência segundo Paulo Guedes
O essencial: Por causa do desastre da barragem de Brumadinho, os moradores da cidade que já recebem benefícios do governo (sejam assistenciais, como o Bolsa Família, ou do INSS) terão seus pagamentos adiantados. Por decisão da Secretaria de Previdência, agora subordinada ao ministro da Economia, Paulo Guedes, a população de Brumadinho receberá uma parcela adicional dos benefícios a que já tinham direito, mas com a condição de que devolvam os recursos em até 36 parcelas, que serão descontadas, todos os meses, do valor do benefício regular.
Quem ganha: É um alívio pontual para os mais pobres do município, mas não representa, concretamente, um ganho adicional. É apenas antecipação de pagamento - inclusive com necessidade de devolução do valor pago, em prestações.
Resuminho pra compartilhar nas redes: Alívio financeiro do governo aos moradores pobres de Brumadinho é presente com data certa para devolução. Mais detalhes na newsletter Brasil Real Oficial. http://bit.ly/realoficial006
Real Oficial: Portaria Conjunta nº 91, de 11 de fevereiro de 2019 (Secretaria da Previdência)
6) Privação de liberdade segundo Sergio Moro
O essencial: Os presos em unidades federais de segurança máxima terão sistema de visitas muito mais rigoroso - e com direito a monitoramento das conversas pela direção dos presídios, inclusive no contato entre detentos e seus advogados. Essas mudanças calharam de ser publicadas no mesmo dia da transferência da cúpula do PCC para as penitenciárias controladas pelo governo federal, mas as mudanças já vinham sendo desenhadas antes disso. Acabou a visita comum, presencial, com contato físico (veja mais abaixo). Presos só poderão receber visitas pelo parlatório (separado por aquele vidro resistente à prova de som) ou via videoconferência (o famoso Skype). E esses contatos deverão acontecer "sob a necessária supervisão". Brecha para gravação da conversa e da chamada de videoconferência? A portaria prevê agora que, em caso de "fundada suspeita de utilização de linguagem cifrada", a visita poderá ser interrompida na mesma hora. O único jeito de saber se há linguagem cifrada é escutando em tempo real. Então, sim, está de fato previsto o monitoramento indiscriminado das conversas.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Mesmo advogados não poderão mais se encontrar com seus clientes a não ser pelo parlatório (aquele vidro resistente à prova de som que separa o preso das visitas). Uma portaria de 2017 que normatizava especificamente a visita de advogados em penitenciárias federais foi revogada. Como a portaria de Moro não faz nenhuma referência específica a advogados, ou isso significa que a presença de advogados está totalmente liberada, ou, o que faz mais sentido diante do espírito da portaria, que eles não terão mais acesso específico e passam a ser enquadrados na categoria "amigos". A portaria diz que os casos omissos serão resolvidos pelo diretor-geral do Depen. Antes, as omissões eram resolvidas diretamente pelos diretores das penitenciárias.
Só terá direito a visita comum, sem o limite do parlatório, o preso que ficar um ano (360 dias) seguido a partir de agora com comportamento “ótimo” dentro da prisão. Caso consiga esse feito, passará a ter direito a uma visita de até três horas por mês. Hoje, essas visitas comuns acontecem semanalmente. Ou seja, por pelo menos um ano, contado a partir da última quarta-feira, as visitas com contato físico a uma pessoa detida em presídio federal cairão de 52 para zero.
A exceção a esse rigor é para delatores e colaboradores premiados que estejam presos nessas unidades, ou para eventuais detentos que, apesar de não preencherem os critérios para estarem em presídios federais, por alguma razão estejam lá temporariamente. Nesses casos, os procedimentos atuais ficam mantidos.
Quem ganha: O aparato de inteligência policial do governo, que agora terá passe livre para monitorar as conversas entre os presos e parentes e, ao que tudo indica, inclusive com advogados. Hoje isso tem sido autorizado somente em casos excepcionais, por decisão da Justiça. Sergio Moro já defendeu esse tipo de medida publicamente.
Resuminho pra compartilhar nas redes: Restrição a visitas a presos em penitenciárias federais também prevê escuta de todas as conversas com família e advogados. Mais detalhes na newsletter Brasil Real Oficial. http://bit.ly/realoficial006
Real Oficial: Portaria nº 157, de 12 de fevereiro de 2019 (Ministério da Justiça)
7) Desenvolvimentismo acadêmico
O essencial: Egresso da cúpula do ensino militar no país, como reitor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), o novo presidente da Capes, Anderson Ribeiro Correia, determinou novas regras para a abertura de novos cursos de mestrado e doutorado no país, inclusive à distância, tanto por universidades públicas quanto por privadas. De uma forma geral, as novas regras reduzem exigências burocráticas. Por exemplo, se uma documentação estiver problemática, isso não é um impeditivo para que a proposta de novo curso siga tramitando e tenha seu mérito analisado mesmo assim - o que abre margem para aprovação de cursos com baixa qualidade técnica. Ao mesmo tempo, e ao meu ver mais grave, há mais brechas para controle subjetivo - ou ideológico, como queira - para a aprovação de novos mestrados e doutorados. Vamos direto a essas brechas:
A partir de agora, cursos novos devem atender o critério de "adequação e justificativa da proposta ao desenvolvimento regional ou nacional e sua importância econômico-social". Mostrar que um curso de engenharia, por exemplo, tem um impacto potencial direto no desenvolvimento regional é fácil. Mas e quanto a cursos na área de sociologia, história, filosofia ou mesmo psicologia?
A portaria também passa a exigir, entre os documentos a serem enviados pelas instituições de ensino, uma "análise e justificativa detalhada da pertinência do novo curso para a instituição".
Antes a análise era feita em cinco etapas. Agora serão somente três. Depois da análise de documentação, que pode estar incompleta, já se passa diretamente para a análise de mérito, com emissão de parecer detalhado sobre a proposta. A última etapa é a emissão de parecer final pelo Conselho Técnico-Científico da Educação Superior. O relatório e proposta de encaminhamento (pela aprovação ou rejeição do novo mestrado ou doutorado) caberão agora a um único conselheiro. Pelas regras anteriores, eram dois que faziam isso juntos.
Outro ponto importante que vale a pena você saber:
Na fase de avaliação das propostas, antes se previa a possibilidade de "diligência documental e diligência de visita" - ou seja, análises da papelada e visitas presenciais para verificação das condições nas quais o curso será oferecido. Agora fica especificado que só será permitida uma diligência documental e uma diligência de visita. Além disso, se os pedidos de esclarecimentos ou outras medidas da Capes não forem cumpridas dentro dos prazos previstos, o processo segue o trâmite de qualquer maneira, "ainda que sem os esclarecimentos solicitados".
Quem ganha: Instituições de ensino privadas, que têm foco maior no mercado de trabalho, e outras faculdades que privilegiem mestrados e doutorados em áreas mais práticas e instrumentais, por permitirem uma justificativa mais clara perante à Capes em relação à lógica desenvolvimentista agora definida. Também ganham faculdades ainda pouco estabelecidas no mercado, que apresentarão propostas que tendem a ser menos escrutinadas antes de uma decisão final.
Resuminho pra compartilhar nas redes: Propostas de novos mestrados e doutorados terão trâmite menos rígido e com mais critérios subjetivos para análise pelo governo. Mais detalhes na newsletter Brasil Real Oficial. http://bit.ly/realoficial006
Real Oficial: Portaria nº 32, de 12 de fevereiro de 2019 (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)