Brasil Real Oficial #005
As 7 principais ações oficiais do governo federal | 4 de fevereiro a 8 de fevereiro de 2019
Olá!
Hoje vamos direto ao que interessa. Afinal, apesar da convalescença de Jair Bolsonaro, a máquina segue girando no governo. Só um esclarecimento, antes que alguém pergunte “cadê o pacote do Moro?”: esta newsletter é focada na análise do que está publicado no Diário Oficial da União. Ou seja, projetos de lei (quanto mais um que ainda é anteprojeto) não entram na minha análise, já que eles ainda podem ser bastante modificados durante a tramitação no Legislativo. O mesmo vale para notas técnicas internas de ministérios e consultas públicas. No caso desta última, ela é publicada em Diário Oficial, mas, assim como os projetos de lei, podem ainda sofrer modificações antes de serem oficializadas como norma no país.
Um abraço e boa leitura!
Breno Costa
No Twitter, @_brenocosta_
1) Engavetamento expresso
O essencial: Os diretores da Corregedoria-Geral da União (órgão integrante da Controladoria-Geral da União) agora têm poderes para decidir diretamente pelo arquivamento de investigações, denúncias e processos dentro de suas áreas de competência. São três diretorias que não precisarão mais submeter essas decisões ao crivo da instância superior, representada pelo corregedor-geral: Diretoria de Responsabilização de Entes Privados, Diretoria de Responsabilização de Agentes Públicos e Diretoria de Gestão do Sistema de Correição do Poder Executivo Federal. No caso desta última, o poder também passa para os dois coordenadores-gerais logo abaixo da diretora.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Esses diretores terão liberdade para decidir pelo encerramento de uma investigação ou mesmo rejeitar representações e denúncias. Na prática, o corregedor-geral segue com poderes para instaurar processos, mas se algum dos diretores entender que um caso merece ser arquivado, ele deixa de tramitar sem que o corregedor-geral tenha que opinar previamente sobre isso. Pode até representar mais agilidade, mas parece mais uma brecha para abater investigações na origem.
Quem ganha: Ao menos potencialmente, a vantagem é para empresas e agentes públicos corruptos. Não vejo ganho concreto de eficiência. Sem fazer juízo de valor moral das pessoas que hoje ocupam esses postos, institucionalmente não faz sentido que a decisão sobre arquivamento de uma denúncia grave contra algum ministro, por exemplo, não demande uma avaliação prévia pelo escalão superior. O normal é que escalões inferiores recomendem arquivamento, não que decidam diretamente. Você, leitor que trabalha na CGU, que quiser contra-argumentar, me escreva (até porque a CGU, até aqui, tem tomado boas medidas em termos normativos). Publico na próxima edição um ponto de vista diferente, se houver.
Resuminho pra compartilhar nas redes: “Denúncias contra ministros e empresas poderão ser arquivadas de imediato na CGU. Mais detalhes na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial005”
Real Oficial: Portaria nº 691, de 7 de fevereiro de 2019 (Corregedoria-Geral da União)
2) Bondade dupla
O essencial: Alegria para ruralistas e bancos. De um lado, produtores (pequenos, médios e grandes) terão mais crédito público disponível até o fim deste semestre e, paralelamente, terão também a liberdade de buscar créditos junto a outras fontes além dos programas oficiais do governo. Ao mesmo tempo, os bancos, inclusive privados, terão mais liberdade para aplicar recursos antes obrigatoriamente vinculados ao crédito rural e agora com negociação livre da taxa de juros (sem taxas pré-fixadas pelo governo, portanto).
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Até junho deste ano, os bancos em geral (públicos e privados) deverão, para além das obrigações já existentes, manter aplicados para o Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp) o valor correspondente a 1% da média dos valores de depósitos à vista recebidos entre julho de 2017 e junho de 2018. No caso de instituições que trabalham com Poupança Rural (Banco da Amazônia, Banco do Nordeste, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, entre outros), 1,2% dos valores depositados em poupança rural naquele mesmo período deverá ir para o Pronaf e 0,6% para o Pronamp.
Fica liberado o uso de recursos captados pelos bancos por meio da emissão de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) para investimento em aplicações diversas. Até então, a aplicação era obrigatoriamente em crédito rural. Agora esse montante pode ser aplicado a taxas de juros a serem acertadas de maneira livre tanto para operações de crédito rural como também para aquisição de Cédula de Produto Rural, para a comercialização, beneficiamento ou industrialização de produtos de origem agropecuária ou de insumos, e para a aquisição de CDCA (Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio) emitido por cooperativa.
Quem ganha: Produtores rurais, tanto médios como grandes, que terão mais crédito disponível, mais liberdade para obtenção simultânea de outras formas de financiamento, e bancos, que terão mais liberdade para aplicar recursos em opções potencialmente mais rentáveis e com liberdade para negociar taxas de juros.
Resuminho pra compartilhar nas redes: Bancos e fazendeiros ganham primeiros presentes do governo Bolsonaro. Mais detalhes na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial005
Real Oficial: Resolução nº 4.709, de 31 de janeiro de 2019
3) Inteligência secreta
O essencial: A primeira aplicação prática do decreto que abriu margem para ampliação de poderes, dentro do governo, para classificação de documentos com sigilo de pelo menos 15 anos. A primeira delegação de poderes veio da área militar do governo, em portaria do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno. Agora, o diretor-geral da Abin, a nossa CIA, terá poderes para classificar documentos como ultrassecretos (25 anos de confidencialidade). Mais complicado, outros dez diretores da Abin poderão carimbar documentos para que fiquem em segredo até 2034 (15 anos).
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Estas são as unidades cujos diretores, além do diretor-adjunto, ganharam poderes para definir um documento como secreto.
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento para a Segurança das Comunicações
Departamento de Administração e Logística
Departamento de Gestão de Pessoal
Departamento de Planejamento e Gestão Estratégica
Escola de Inteligência
Departamento de Inteligência Estratégica
Departamento de Contrainteligência
Departamento de Contraterrorismo e Ilícitos Transnacionais
Departamento de Operações de Inteligência
Quem ganha: A área de inteligência militar do governo. Eventuais ações de espionagem interna contra movimentos sociais, por exemplo, como já ocorreu no passado recente, agora poderão facilmente ficar em segredo até 2034. Relatórios de inteligência enviados para o Palácio do Planalto também tendem a ficar secretos.
Resuminho pra compartilhar nas redes: Dez diretores da Abin agora podem definir segredo de 15 anos a ações da “CIA” brasileira. Mais detalhes na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial005
Real Oficial: Portaria nº 17, de 4 de fevereiro de 2019 (Gabinete de Segurança Institucional)
4) Passe livre
O essencial: Medicamentos importados que não estejam regularizados pela vigilância sanitária poderão entrar no Brasil sem nenhuma inspeção, quando houver determinação judicial para que o SUS banque o tratamento com aquele produto. Antes era preciso que a vigilância sanitária no porto ou no aeroporto de desembarque dos medicamentos fizesse uma análise técnica antes de liberar a entrada do produto. Agora fica dispensada qualquer análise complementar da Anvisa e a licença de importação fica automaticamente concedida.
Outros pontos importantes que vale a pena você saber:
Este tema é objeto de indefinição jurídica. O STF marcou para 22 de maio deste ano o julgamento de um caso com repercussão geral (ou seja, a decisão tomada ali valerá para todos os demais processos semelhantes que tramitam na Justiça brasileira) que trata justamente da legalidade de o Estado ser obrigado a adquirir medicamentos importados sem registro na Anvisa. O relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, já se manifestou contra.
Quem ganha: Pacientes com doenças graves, que poderão ter acesso mais rápido a medicamentos essenciais ao seu tratamento e ainda sem eficácia e segurança comprovada pela Anvisa, e, indiretamente, as farmacêuticas internacionais que vendem produtos ainda sem autorização das autoridades sanitárias brasileiras.
Resuminho pra compartilhar nas redes: Pendente de definição no STF, medicamentos sem autorização na Anvisa poderão ser importados, mediante mandado, sem qualquer análise sanitária. Mais detalhes na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial005
Real Oficial: Resolução RDC nº 262, de 1º de fevereiro de 2019
5) Xerife contra companhias aéreas
O essencial: A fiscalização da prestação de serviços pelas companhias aéreas tende a ficar mais rigorosa. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) mudou o departamento interno responsável por essa fiscalização. A partir de 11 de março, a Superintendência de Acompanhamento de Serviços Aéreos será a responsável por isso, além de cuidar das “Condições Gerais de Transporte Aéreo e Acessibilidade”. Essa unidade interna já tinha bastante poder, e agora terá ainda mais. Ela irá, ao mesmo tempo, formular regras e aplicar punições contra quem as infringir. Comparando de maneira grosseira, é como se o Legislativo tivesse o poder de propor leis e, ao mesmo tempo, cuidar da aplicação de multas e outras punições contra quem as descumprir. Antes, esse poder de fiscalização dos serviços das companhias aéreas cabia à Superintendência de Ação Fiscal, que agora ficará focada apenas na fiscalização de aspectos fiscais envolvendo as empresas do setor.
Outras coisas importantes que vale a pena você saber:
A Diretoria Colegiada da Anac passa a ter poderes também para julgar recursos apresentados por empresas contra suspensões ou cassações, com ou sem aplicação simultânea de multa em dinheiro, que tenham sido determinadas pela primeira instância administrativa. Esses casos agora subirão direto para a decisão final da diretoria. No caso de aplicação de outras punições, mais leves, os julgamentos seguem sendo atribuição da Assessoria de Julgamento de Autos em Segunda Instância.
A "Assessoria de Articulação com o Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos" passa a se chamar "Assessoria de Segurança Operacional". Essa nova Assessoria ganha bastante poderes sobre o controle da segurança do transporte aéreo brasileiro, englobando muitas outras ações de coordenação e monitoramento em comparação com o que vinha sendo exercido pelo órgão anterior.
Quem ganha: Os passageiros, já que fica criada uma espécie de unidade xerife interna na Anac para controlar o cumprimento das regras pelas companhias aéreas, mas também, potencialmente, as empresas do setor de aviação (empresas de táxi aéreo, principalmente), porque a tramitação de recursos contra punições mais duras tende a caminhar mais rápido, o que é bom para o setor (já que a suspensão ou cassação fica valendo até julgamento do recurso). Esse recurso já era possível anteriormente, mas agora ele se dá de imediato.
Resuminho pra compartilhar nas redes: Qualidade dos serviços prestados por companhias aéreas poderá ser monitorada com mais rigor. Mais detalhes na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial005
Real Oficial: Resolução nº 502, de 30 de janeiro de 2019
6) Fila em presídios
O essencial: Empresas, inclusive estrangeiras, que queiram vender soluções tecnológicas para os presídios federais brasileiros, como câmeras de vigilância modernas, sistemas de raio-x, bloqueadores de sinal de celular, entre outras soluções, terão que obrigatoriamente passar por uma comissão de análise. Essa comissão, criada pelo Departamento Penitenciário Nacional, ficará responsável por realizar audiências com as empresas e também por analisar solicitações de viagens de servidores para missões com o objetivo de conhecer a aplicação dessas tecnologias em outros países.
Brecha em potencial:
Todas as reuniões da Comissão Técnica, que serão presididas por representante do gabinete do Diretor-Geral do Depen, deverão ter ata. Mas há dois pontos a serem considerados: 1) Isso não significa, ao menos textualmente, que as audiências com as empresas em si deverão ter ata; e 2) A ata da reunião será classificada como confidencial? Nesse caso, qual será o grau de segredo imposto?
Quem ganha: Supostamente, todos nós, pagadores de impostos, já que a medida tende a reduzir o poder de lobby das empresas que vendem tecnologias para presídios. Por outro lado, serve de estímulo para que essas mesmas empresas, em especial as estrangeiras, com tecnologia mais avançada, façam fila na porta do Depen para tentar emplacar a venda de seus produtos e serviços, sem depender de um contato privilegiado com uma ou outra autoridade. (Exemplos de produtos no mercado: http://www.prisontechnology.com/ e https://www.correctionsone.com/products/)
Resuminho pra compartilhar nas redes: Empresas que querem vender tecnologias para penitenciárias federais de segurança máxima agora têm procedimento específico para ofertar seus produtos. Mais detalhes na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial005
Real Oficial: Portaria nº 42, de 25 de janeiro de 2019 (Departamento Penitenciário Nacional)
7) Portas abertas para caça às medalhas-bruxas
O essencial: Parece bobagem, mas simbolicamente tem relevância. Novas regras tornam mais fácil a exclusão de agraciados com a Ordem do Mérito da Defesa, uma das maiores honrarias do governo brasileiro. Por exemplo, o ex-presidente Lula. O Conselho da Ordem ganhou uma nova competência: “coordenar o processo de exclusão do agraciado". Como condecorado com a medalha Grã-Cruz, a mais nobre, mas condenado pela Justiça, ele se encaixa em uma das hipóteses previstas para que o Conselho proponha sua exclusão ao presidente da República.
Outras coisas importantes que vale a pena você saber:
O conselho é composto por quatro pessoas: o ministro da Defesa, o ministro das Relações Exteriores, o chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas e o secretário-geral do Ministério da Defesa. Até 2014, eram nove membros. Decisões por exclusão passam de forma mais fácil agora.
Outra margem para exclusões é que agora foi incluído no regulamento da Ordem a regra de que, para que seja admitida no Quadro da Ordem, a pessoa precisa "possuir idoneidade moral, conduta pessoal ilibada e elevado conceito na classe e na comunidade a que pertencer". Antes essa exigência não existia. Pode ser uma brecha para excluir da ordem aqueles que não atendam mais a esses critérios. Estão lá, entre outros, os agraciados Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, José Dirceu, Sérgio Cabral e Aécio Neves.
Fica aberta margem para concessão da Ordem do Mérito na categoria de Comendador, de Oficial ou de Cavaleiro (as mais humildes, digamos) para qualquer "personalidade de hierarquia equivalente" a um monte de títulos. Basicamente, quem for conveniente.
Quem ganha: Militares puristas, como o nosso presidente, que quer aproveitar a onda para dar mais uma fustigada, ainda que simbólica, no PT e em outros corruptos de larga fama.
Resuminho pra compartilhar nas redes: Lula e outros envolvidos na Lava Jato poderão ter cassadas honrarias concedidas pelo governo brasileiro. Saiba mais na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial005
Real Oficial: Portaria Normativa nº 10/GM-MD, de 4 de fevereiro de 2019
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Esta newsletter é produzida e editada por mim, Breno Costa. Fui repórter do jornal Folha de S.Paulo durante seis anos, com foco especialmente na cobertura de administração pública e investigações. Acompanho Diário Oficial desde a faculdade de jornalismo. Como estagiário do saudoso Jornal do Brasil, levava para casa recortes do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro. No fundo, sou um sádico, e gosto dessas letrinhas e enigmas oficialescos. Desde 2013, aposto na carreira independente. Criei o BRIO em 2016, para oferecer serviços para o público de jornalistas, como cursos e mentorias, e onde também fui responsável por outras newsletters e podcasts. Durante os últimos anos, também tenho trabalhado como repórter freelance para publicações como The Intercept Brasil e, desde o ano passado, sou o editor em português da Global Investigative Journalism Network, a principal associação de promoção do jornalismo investigativo no mundo.
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