Brasil Real Oficial #003
As principais ações oficiais do governo federal | 21 de janeiro a 25 de janeiro de 2019
Olá!
Nesta semana eu registrei 22 novos atos normativos minimamente relevantes publicados por diferentes órgãos do governo federal. Aqui, como sempre, estão apenas os 7 principais ou, melhor dizendo, os mais significativos para um público mais amplo, na minha avaliação.
Mas isso não significa que você não possa ter acesso a todos os 22 atos desta semana e mesmo a observações mais completas sobre os atos que estão listados na edição de hoje.
Nesse sentido, tenho uma novidade muito legal: fechei uma parceria com o bravo pessoal do The Brazilian Report, que informa um público estrangeiro sobre aspectos fundamentais da política, economia e sociedade brasileira. Este boletim, em sua versão ampliada, premium e com tom mais “institucional”, agora está disponível também em inglês (frequência quinzenal). Então, se você trabalha em uma organização ou empresa internacional ou conhece gente que teria interesse em saber as medidas oficiais do governo brasileiro em inglês, conte sobre a newsletter. Saiba mais aqui.
E em português? Também tem versão ampliada? Sim, claro. Nesse caso, se você tiver interesse, me mande um e-mail no breno@brenocosta.co (é sem o “m” no final mesmo) e a gente conversa sobre as possibilidades.
Um abraço e boa leitura!
Breno
No Twitter: @_brenocosta_
1) Democratização da censura
O essencial: Você já deve estar ciente, a imprensa cobriu bem (inclusive eu publiquei um texto na Vice sobre isso), mas há nuances a serem consideradas. Um decreto alterou um decreto anterior, de 2012, e, com isso, definiu que as altas autoridades da República originalmente incumbidas do poder de classificar documentos públicos no grau “ultrassecreto” (25 anos de confidencialidade) e “secreto” (15 anos de confidencialidade) poderão conceder esse poder também para escalões inferiores. Ou seja, mais gente poderá dar canetadas para ordenar que ao menos até 2034 você não terá acesso a documentos que eles considerem que precisam ficar em segredo. Isso antes não era permitido no decreto, embora a Lei de Acesso à Informação já deixasse possibilidades de delegação de poder aberta, de forma vaga - contudo, o decreto de 2012 não estipulou isso concretamente.
Outras coisas importantes que vale a pena você saber:
Pelas novas regras, um universo de 198 funcionários de segundo escalão de todos os órgãos do Executivo federal (ou seja, o decreto não se aplica ao Legislativo nem ao Judiciário, nem a governos estaduais e prefeituras) poderão, caso recebam autorização para isso, tornar documentos públicos confidenciais. Isso engloba secretários de ministérios - responsáveis por controle e fiscalização de atividades privadas e abusos contra o meio ambiente, entre muitas outras coisas - e até assessores próximos do presidente. Um exemplo é Filipe Garcia Martins, influencer digital do neoconservadorismo de direita no Brasil, discípulo de Olavo de Carvalho e que tem atuado como um dos principais conselheiros de Bolsonaro em relação a assuntos internacionais.
Em relação ao grau de sigilo de 15 anos, ganha potencial poder um universo de outras 901 pessoas. Isso se considerarmos somente cargos de chefia do terceiro escalão. Se entrarem assessores especiais, que têm nível semelhante na categoria DAS 5, o número de eventuais empoderados espalhados por gabinetes da República aumenta ainda mais.
Diante da polêmica, importante pontuar também o seguinte. O governo argumenta que documentos em grau ultrassecreto de sigilo são “raríssimos”. De fato são. Mas o que o decreto possibilita é um aumento das autoridades com esse poder e, consequentemente, em tese, uma maior disseminação desse grau de sigilo. Já os documentos em caráter secreto não são em número tão pequeno, e a tendência, caso as subdelegações sejam efetivadas, é que isso aumente da mesma forma.
Real Oficial: Decreto nº 9.690, de 23 de janeiro de 2019
Resuminho para compartilhar nas redes: “Mais de 1.200 pessoas no governo federal poderão receber poderes para definir que documentos públicos fiquem em segredo pelo menos até 2034. Saiba mais na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial003”
2) Nova ordem social
O essencial: O governo criou, por meio de medida provisória, o Programa Revisão, para analisar de maneira mais intensa, por pelo menos dois anos, benefícios do INSS que estão sendo concedidos com indícios de irregularidade. Na mesma MP, Jair Bolsonaro estabelece mais restrições para a concessão de auxílios às famílias de pessoas presas e retira poderes de sindicatos, federações e confederações de trabalhadores rurais.
Outras coisas importantes que vale a pena você saber:
O pagamento do auxílio-reclusão só será feito se o preso já tiver pelo menos dois anos de contribuição ao INSS. Até então, esse período de carência não existia e o pagamento aos dependentes do preso era imediato. Além disso, agora o pagamento só será feito nos casos de presos em regime fechado.
Presos em regime fechado não terão direito a auxílio-doença. Se a pessoa estiver usufruindo do auxílio-doença e for presa, o benefício será suspenso. Se, depois de 60 dias, ainda estiver presa, o benefício será cancelado.
A MP elimina a possibilidade de convênio com entidades de classe, "em especial as respectivas confederações ou federações", para a manutenção e gestão de cadastro de segurados especiais (os beneficiários de pensão rural). Isso corta o vínculo com federações de trabalhadores rurais, como a Contag, que fazia essa intermediação. Os sindicatos também não poderão mais atestar a atividade rural de segurados especiais. A partir de 2020, os segurados rurais serão reconhecidos somente mediante o cadastro do INSS. Não haverá nenhuma outra maneira.
Fica permitida a penhora dos bens de família (inclusive imóvel residencial) em caso de cobrança por benefício pago irregularmente de maneira dolosa ou mediante fraude, "inclusive por terceiro que sabia ou deveria saber da origem ilícita dos recursos". Esse trecho final é enigmático, mas fica claro que ele abre bastante o leque para a determinação de penhora de bens familiares.
No caso de constatação de irregularidades na concessão de benefícios do INSS, o prazo para apresentação de defesa será de 10 dias. Até então, era de 30 dias. Caso não haja apresentação de defesa no prazo de dez dias, o benefício será suspenso. No caso de o INSS não conseguir notificar oficialmente a pessoa, o benefício poderá ser suspenso mesmo assim, “com base em provas pré-constituídas”.
Antes uma exigência a cada cinco anos, agora todos os anos as pessoas que recebem benefícios do INSS terão de provar que estão vivas, via biometria, presença em agências bancárias ou outros meios a serem definidos.
Para ter o controle sobre os benefícios e beneficiários, o INSS terá acesso irrestrito a dados da Receita Federal, do SUS, das movimentações de contas do FGTS e de "documentos médicos mantidos por entidades públicas e privadas". No caso das entidades particulares (hospitais privados?), será necessário firmar convênios para a cessão desses dados. Os dados recolhidos pelo INSS em todos os casos citados serão mantidos em sigilo, mas o que mais tem no Brasil é caso de dados do INSS vazados e comercializados ilegalmente.
Real Oficial: Medida Provisória nº 871, de 18 de janeiro de 2019
Resuminho para compartilhar nas redes: “Auxílio para presos ficará mais restrito e sindicatos e federações de trabalhadores rurais não terão mais influência sobre cadastro para recebimento de benefícios do INSS. Saiba mais na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial003”.
3) Mudanças de prioridades
O essencial: A Anvisa publicou a atualização anual dos temas que fazem parte da lista de prioridades da agência para definição de regras até 2020. Para este ano, foram arquivados (ou seja, simplesmente retirados da lista de prioridade, sem conclusão) itens potencialmente de impacto, inclusive na área de regulamentação de agrotóxicos. Procurei a Anvisa para ela comentar a razão dos arquivamentos, mas eles não me responderam até o momento de envio da newsletter. Outros temas foram incluídos. Seguem os principais excluídos:
“Revisão do regulamento técnico para o ingrediente ativo acefato em decorrência de sua reavaliação toxicológica". (O acefato é um componente altamente tóxico usado em agrotóxicos e que pode causar câncer. Em apresentação que encontrei da própria Anvisa, de meados do ano passado, a regulação desse tema era marcado como de "alta urgência/alta relevância", vinculado a uma determinação judicial prévia. Na época, a discussão interna sobre a revisão do regulamento não havia sido sequer iniciada).
“Parâmetros para controle microbiológico de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes".
“Regularização de protetores solares".
Outras coisas importantes que vale a pena você saber:
Entre os itens incluídos na lista de prioridades da Anvisa vale destacar “Informações sobre fenilalanina [bom para a saúde] em alimentos”, “Boas práticas para serviços de alimentação”, “Cadastro de fabricantes nacionais de insumos farmacêuticos ativos”, “Boas Práticas de Fabricação de Medicamentos”, “Procedimentos para importação/exportação de medicamentos” e “Controle da cadeia logística de produtos fumígenos derivados do tabaco”.
Real Oficial: Agenda Regulatória Quadriênio 2017-2020 (Anvisa)
Resuminho para compartilhar nas redes: “Anvisa exclui revisão de normas sobre o agrotóxico acefato da lista de prioridades da agência para 2019. Saiba mais na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial003”.
4) Uma segunda chance aos agrotóxicos
O essencial: O novo presidente do Ibama alterou as regras adotadas pelo órgão para a avaliação da ação de agrotóxicos e outros compostos venenosos sobre o meio ambiente. Antes, era definido que deveria ser negado o registro de produtos que, na avaliação consolidada dos seus componentes OU na dos parâmetros individuais, fossem considerados mais potencialmente perigosos ao ambiente do que outros já registrados anteriormente com finalidade semelhante. Essa proibição de registro agora vale apenas para os que apresentarem resultados negativos na avaliação dos parâmetros como um todo.
Outras coisas importantes que vale a pena você saber:
Os parâmetros individuais, que agora só deverão ser levados em conta de forma conjunta, são “toxicidade”, “presença de problemas toxicológicos especiais, tais como: neurotoxicidade, fetotoxicidade, ação hormonal e comportamental e ação reprodutiva”, “persistência no ambiente”, “bioacumulação”, “forma de apresentação” e “método de aplicação”.
A Instrução Normativa anterior, que definia que um único parâmetro individual poderia inviabilizar o registro do agrotóxico, foi assinada há menos de um mês, no dia 27 de dezembro, a quatro dias do fim do governo Temer.
Real Oficial: Instrução Normativa nº 3, de 21 de janeiro de 2019
Resuminho para compartilhar nas redes: “Agrotóxicos com problemas específicos não serão mais impedidos de receberem autorização do Ibama; valerá apenas a avaliação conjunta de parâmetros. Saiba mais na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial003”.
5) Fronteiras abertas da América Latina
O essencial: A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) atualizou as regras para a concessão de licença para que transportadoras brasileiras façam transporte internacional de cargas (e que estrangeiras transportem cargas para o território brasileiro). A resolução anterior estava em vigor havia mais de 12 anos e já era frágil em relação a maneiras de coibir o uso de transporte de carga para atividades ilícitas, como tráfico de drogas e armas, contrabando e comércio ilegal de madeira, por exemplo. A fragilidade permanece na nova resolução - e com novas brechas.
Outras coisas importantes que vale a pena você saber:
Uma empresa, para obter a concessão de licença, depende apenas de telefone para contato, um endereço para correspondência física e dois endereços de e-mail. Ou seja, não precisa de estrutura completa. Empresas que usam escritórios de contabilidade como sede em tese podem receber licença para atravessar a fronteira com seus caminhões. Antes, a resolução, que já não era grandes coisas, pelo menos falava em “escritório”.
Podem ser usados, para o transporte internacional, veículos que não sejam de propriedade da transportadora, mas que estejam “na posse” dela. A resolução anterior cobrava contrato de locação de veículo.
Os únicos documentos exigidos para a concessão de licença da ANTT para transporte regular, com validade de 10 anos, são cópia de contrato social ou estatuto e relação de veículos (além de procuração passada pelo administrador da empresa, quando for o caso, e comprovante de pagamento de taxa). Caso o transportador já tenha licença para um país e queira obter uma nova licença para outro país, basta pagar a taxa exigida, sem necessidade de apresentar nova documentação.
A resolução prevê licença para viagens ocasionais (ou seja, transporte de produtos para shows, feiras, exposições, apoio a situações de calamidade, e mesmo mudanças). Nesse caso, a licença não será superior a seis meses e fica vedada a subcontratação para a realização da viagem. Também será preciso descrever a carga transportada tanto na ida quanto na volta, além do motivo da viagem. No entanto, também não se exige comprovação além das declarações (por exemplo, o contrato com a produtora de um show).
Outra previsão é a autorização de transporte rodoviário internacional de carga própria. Nesse caso, também podem entrar pessoas físicas. A resolução anterior não permitia. Se aplica, por exemplo, aos casos de “trânsito de mercadorias para venda” mesmo em veículo que seja de outra pessoa mas esteja em sua posse, e “transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular” (ou seja, se eu tenho, ainda que apenas no papel, um matadouro em Mato Grosso e outro na Bolívia, posso atravessar pra levar equipamentos de um lado pro outro).
Se o responsável por uma transportadora estrangeira responde por crimes na Justiça, mesmo que de contrabando ou receptação, isso não é impeditivo. O mesmo vale para o Brasil. Não se exige um nada consta dos responsáveis pelas transportadoras.
No único ponto da resolução em que a questão criminal é abordada, fica definido apenas que "a operação de transporte rodoviário internacional de cargas para a consecução de atividade ilícita sujeita o infrator, mediante prévio processo administrativo, às penalidades de suspensão ou cancelamento da respectiva Licença, na forma da lei". Não diz sequer se, depois, essa mesma empresa poderá requisitar nova licença ou se o responsável, vinculado a uma outra pessoa jurídica, poderá ter algum tipo de obstáculo.
Real Oficial: Resolução nº 5.840, de 22 de janeiro de 2019
Resuminho para compartilhar nas redes: “Governo muda resolução depois de 12 anos e deixa mais brechas para uso de transporte internacional de carga para tráfico e contrabando. Saiba mais na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial003”
6) Liberdade de propaganda
O essencial: As empresas responsáveis por propagandas em vídeo que você vê na internet, antes de poder começar a assistir a um vídeo no Youtube ou mesmo em sites de notícia, começariam a pagar uma taxa anual para a Ancine a partir de 1º de janeiro deste ano, a chamada Condecine Título (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional). Bem, não vão mais precisar pagar nada. A Ancine revogou dispositivo que incluía essa cobrança. A taxa era de R$ 300,25 (no caso de peças gravadas no Brasil), R$ 1.159,82 (peças gravadas no exterior) e R$ 2.977,51 (peças estrangeiras).
Real Oficial: Instrução Normativa nº 147, de 22 de janeiro de 2019
Resuminho para compartilhar nas redes: “Ancine desiste de cobrar taxa sobre propagandas em vídeo no Youtube e outros sites. Saiba mais na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial003”
7) Meio cheio ou meio vazio?
O essencial: A Controladoria-Geral da União tem, entre suas atribuições, definir “enunciados” para tópicos que supostamente não estão claros na legislação que envolve prevenção à corrupção e ilícitos em geral na administração pública. Nesta semana, foi publicado um que “mexe” na Lei Anticorrupção ao definir que o prazo previsto (6 meses) para a conclusão de processo de apuração de responsabilidade contra empresas "poderá ser prorrogado, por mais de uma vez, mediante ato fundamentado da autoridade instauradora, para possibilitar a regular conclusão do processo". Isso é uma faca de dois gumes, já que, por um lado, poderá dar mais tempo para coleta de provas, mas, por outro, permitirá um prolongamento indefinido para a conclusão de casos polêmicos.
Outras coisas que vale a pena você saber:
Em outro Enunciado, publicado no mesmo dia, a CGU define que, para fins de aplicação de suspensão a servidor público, a reincidência exigida em relação a advertências “é a genérica”, ou seja, não importa se as advertências foram dadas por motivos diferentes entre si. Todas servem para justificar o próximo passo punitivo, que é a suspensão.
Real Oficial: Enunciado nº 7, de 23 de janeiro de 2019 e Enunciado nº 9, de 23 de janeiro de 2019
Resuminho para compartilhar nas redes: “CGU permite prorrogação por tempo indefinido de processos para responsabilizar empresas por irregularidades em contratos com o governo federal. Saiba mais na newsletter Brasil Real Oficial: http://bit.ly/realoficial003”.