Nova newsletter! Brasil Real Oficial
As principais ações oficiais do governo federal | 1º de janeiro a 11 de janeiro de 2019
Olá!
Você já me conhece do BRIO. Agora, em 2019, tenho o prazer de iniciar mais uma newsletter, para um público mais amplo do que apenas jornalistas, e que, tenho certeza, será muito útil para que você possa manter sua bússola sobre o Brasil bem calibrada. É fácil se perder em meio a tanta informação sobre o novo governo e, mais ainda, com tanta especulação, declarações, desmentidos, anúncios, recuos.
Neste espaço, você vai encontrar apenas o que é oficial, real. Não necessariamente aquilo que o governo gostaria de propagandear. O Diário Oficial, ainda bem, não é um veículo de propaganda. É o único lugar onde o governo, seja ele qual for, não pode mentir. Mas o juridiquês às vezes serve de camuflagem. Qualquer maldade, pra ser implementada, precisa estar ali, assim como qualquer bondade ou progresso.
Verificar Diário Oficial não é um trabalho fácil. Exige paciência e atenção. Nesta newsletter me dedicarei a isso. Semanalmente, às tardes de sexta-feira, enviarei a você uma curadoria do que de mais importante foi publicado na parte normativa do Diário Oficial (a Seção 1, onde são publicados decretos, medidas provisórias, instruções normativas, portarias regulamentadoras, sanções e vetos de leis aprovadas pelo Congresso).
Como você já poderá perceber na newsletter de hoje, muito do que está aqui não apareceu na imprensa. Minha ideia é sempre fugir do que já foi publicado em veículos relevantes ou apontar alguns aspectos que podem ter passado despercebidos. Não porque não seja importante, mas porque as redações não têm como colocar alguém para ler tudo, nem espaço e tempo para produzir e editar matérias a respeito. No limite, espero contribuir como uma fonte de ideias de pauta para maior aprofundamento dos tópicos que eu listarei aqui semanalmente.
Se você não quiser receber essa newsletter, basta se descadastrar. Mas sugiro que você siga aqui, porque teremos uma jornada e tanto pela frente e, muitas vezes, uma pequena frase publicada na aridez do DO pode mudar muito o mundo real. Peço, ainda, que você me ajude a divulgar esse trabalho, recomendando aos seus amigos que assinem a newsletter clicando neste link. É de graça.
Um abraço,
Breno Costa
breno@brenocosta.co
@_brenocosta_
Para esta primeira edição do “Brasil Real Oficial”, vou listar as 10 principais medidas dos primeiros 10 dias de governo, além de uma seção especial sobre a reformulação ministerial. Nas próximas, me limitarei a listas as 7 principais medidas da semana. Se você quiser ter acesso a todas as medidas relevantes do período, podemos conversar. Entre em contato comigo no breno@brenocosta.co (é “co” mesmo, sem o “m” no final).
1) Fundos patrimoniais: salvação ou nova fonte de corrupção?
O essencial: Jair Bolsonaro sancionou projeto aprovado no fim de dezembro que permite a criação dos chamados fundos endownment, muito comuns nos Estados Unidos, para que pessoas físicas e empresas privadas façam doações e que os rendimentos financeiros dessas aplicações no fundo sejam usados para financiar projetos de ONGs e de instituições públicas. Projetos em diversas áreas podem ser apoiados, desde esporte e segurança pública, até meio ambiente, educação e (viva!) jornalismo independente [a parte do jornalismo não está escrita de maneira explícita no texto da lei, mas o fato é que Bolsonaro deixou passar isso daí, talquei?].
O que você não vai ver na propaganda do governo:
O doador precisa declarar que o dinheiro doado não tem origem ilícita, mas a lei não impede que pessoas condenadas ou empresas envolvidas em escândalos façam doações. É apenas uma autodeclaração.
Os fundos precisam prestar contas diretamente em sua página na internet, incluindo a "gestão e aplicação dos recursos", em frequência no mínimo anual. Tem que ter detalhamento também de obras, projetos e serviços executados com o dinheiro do fundo. Mas não há nenhuma exigência de que os doadores do fundo sejam identificados. Pelo contrário, a regra geral em fundos é que a identidade dos cotistas é sigilosa.
Outras coisas importantes que vale a pena você saber:
O fundo patrimonial pode receber doações de empresas estrangeiras e inclusive de governos de outros países e de organismos multilaterais e internacionais. Não há determinação também para que o dinheiro vindo de outro país seja identificado.
Um fundo patrimonial pode colocar dinheiro em outro fundo patrimonial, o que pode dificultar ainda mais o rastreamento do dinheiro que banca um projeto.
Os fundos podem ser abastecidos com dinheiro fruto de termos de ajustamento de conduta, acordos de leniência e colaboração premiada.
Apenas as doações de propósito específico efetuadas para incentivo a projetos culturais podem ser abatidas do Imposto de Renda. Outros incentivos fiscais, considerados muito importantes para empresas doarem, foram vetados por Bolsonaro.
As doações de propósito específico "não restritas" permitem que o o gestor do fundo retire o principal e não apenas os rendimentos. Nesse caso, o limite da doação para utilização no mesmo exercício é de 20% - exceto em casos de "doação de propósito específico para a recuperação ou a preservação de obras e patrimônio e para as intervenções emergenciais para manutenção dos serviços prestados pela instituição apoiada".
Os fundos patrimoniais podem apoiar diretamente coisas como obras públicas, equipamentos, materiais, bolsas de estudo e capacitação para servidores públicos.
Se uma instituição pública apoiada for privatizada, os recursos permanecem sendo aplicados na instituição que a suceder.
Real Oficial: Lei nº 13.800, de 4 de janeiro de 2019
2) Fiocruz globalista
O essencial: Autoriza a Fiocruz a contar com sua fundação de apoio, a Fiotec (Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde), para a produção e fornecimento de vacinas, medicamentos e outros insumos e serviços para a saúde. Com isso, a Fiocruz ganha amparo legal para assumir compromissos com organismos internacionais, como a OMS, para fornecimento internacional de produtos como a vacina contra a febre amarela. Lei 13.801, de 9 de janeiro de 2019.
Outras coisas importantes que vale a pena você saber:
O dinheiro de organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde, não precisará passar pelo caixa do Tesouro Nacional, indo direto para a Fiotec.
Real Oficial: Lei nº 13.801, de 9 de janeiro de 2019
3) As prioridades do Incra
O essencial: O Incra definiu que irá priorizar, para análise e emissão de Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (documento essencial para regularização de terras), idosos, portadores de deficiência física ou mental, portadores de doença grave, aqueles que já tenham financiamento bancário aprovado e aqueles que estão com imóvel já em processo de venda.
Outras coisas importantes que vale a pena você saber:
Essa portaria, publicada inicialmente no dia 7 de janeiro, foi revogada e substituída por outra semelhante, mas sem críticas à estrutura do Incra, no dia 11 de janeiro. A portaria original tinha o seguinte preâmbulo, num tom choradeira: "Considerando o intenso volume de trabalho de análise de cadastro de imóvel rural, cerca de aproximadamente 500.000 pedidos de atualizações cadastrais/ano junto ao Sistema Nacional de Cadastro Rural - SNCR, frente ao quadro reduzido de servidores da autarquia com atuação na área de cadastro rural". Ao que parece, o governo quer os dramas de fora dos documentos oficiais.
Real Oficial: Portaria nº 26, de 7 de janeiro de 2019 (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária)
4) Pátria Amada e Impessoal
O essencial: É um despacho simples, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, apenas para dar a determinação de que a Secretaria de Comunicação Social como um todo (aí incluídas NBR e EBC) deve fazer a divulgação dos atos de governo sem referência às autoridades. Basicamente, Bolsonaro definiu que a propaganda do governo deve ser impessoal. A ordem foi passada também aos demais ministros. Gatilho pode ter sido a inserção da logo "Governo Bolsonaro" na NBR, como mostrou o jornal O Globo.
Real Oficial: Despacho do Presidente da República, de 8 de janeiro de 2019
5) Fraude, corrupção e algumas coisinhas a mais
O essencial: A Controladoria-Geral da União expandiu a abrangência das medidas que precisarão estar contempladas nos “programas de integridade” a serem desenvolvidos por todos os ministérios. Antes, esses planos deveriam abranger apenas situações de “fraude” e “corrupção”. Agora entram também "irregularidades e desvios éticos e de conduta". Pode ser que assédio sexual e moral entre nesse guarda-chuva, portanto. O conceito é mais aberto.
Outras coisas importantes que vale a pena você saber:
O prazo previsto na portaria anterior para que os Planos de Integridade fossem aprovados pelos órgãos era 30 de novembro de 2018. Agora passou para 29 de março de 2019.
Real Oficial: Portaria nº 57, de 4 de janeiro de 2019 (Controladoria-Geral da União)
6) Apurar antes de apurar
O essencial: O Dnit, órgão responsável pelas estradas federais e celeiro de práticas de corrupção no país, regulamentou a abertura de processo de apuração de responsabilidade (PAAR), que, no limite, pode levar ao impedimento de uma empresa voltar a contratar com a administração pública em geral.
O que você não vai ver na propaganda do governo:
Para que o PAAR seja instaurado, é preciso que haja "a descrição dos fatos, local, e demais circunstâncias que caracterizem o suposto descumprimento da obrigação [contratual]". Não basta, portanto, haver apenas uma suspeita. É preciso uma apuração prévia à abertura do processo de apuração de responsabilidade. E essa apuração prévia não está regulamentada. Quem fará?
Outras coisas importantes que vale a pena você saber:
A Instrução Normativa abre margem para aceitação de defesa apresentada pelo fornecedor mesmo depois do prazo legal, "a critério” da direção do Dnit.
O PAAR que não for concluído em até dois anos passará a tramitar em regime de prioridade e deverá ser concluído em até 12 meses a partir dali.
Caso o processo não seja concluído dentro do prazo prescricional de cinco anos, o caso deverá ser informado à Corregedoria do Dnit "para análise da necessidade de abertura ou não de procedimento específico de apuração de responsabilidade (Processo Administrativo Disciplinar - PAD) do servidor que deu causa à morosidade".
Real Oficial: Instrução Normativa nº 2, de 4 de janeiro de 2019 (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes)
7) Em vez de dinheiro, serviço
O essencial: O ministro da Cidadania suspendeu a Instrução Normativa nº 5, de 28 de dezembro de 2018, do extinto Ministério da Cultura. Aquela regra definia, na prática, que uma ONG ou entidade da sociedade civil que tivesse sua prestação de contas considerada irregular pelo governo poderia, em vez de fazer o ressarcimento via dinheiro, promover ações “compensatórias” - ou seja, seguir prestando serviço para o governo.
Outras coisas importantes que vale a pena você saber:
A ação compensatória é uma possibilidade para ONGs com problemas na prestação de contas desde que não tenha havido dolo ou fraude no convênio, ou que a entidade não tenha sido condenada a devolver a integralidade do dinheiro repassado pelo governo. Para isso, a ONG precisaria apresentar um novo plano de trabalho.
Esse instrumento compensatório já estava previsto em lei desde 2014, mas só foi regulamentado pela Instrução Normativa assinada no fim do ano, que cuidou dos parâmetros e ritos específicos. Com a nova IN assinada pelo ministro Osmar Terra, as novas regras ficam suspensas por 60 dias e, com isso, esse modelo de ressarcimento ainda fica sem validade.
Real Oficial: Instrução Normativa nº 1, de 4 de janeiro de 2019 (Ministério da Cidadania)
8) Força-secreta
O essencial: Já tinha causado polêmica no fim do ano passado o decreto que criou a Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado. Algumas pessoas sentiram um odor de risco democrático na medida (acho que sem razão, ao menos formalmente falando). Agora o general Augusto Heleno, já no comando do GSI, definiu a “Norma Geral de Ação” dessa força-tarefa. No entanto, a norma em si não foi publicada no Diário Oficial. Apenas o anúncio de que ela já existe. O argumento é de que se trata de ação sigilosa do Estado.
O que você não vai ver na propaganda do governo:
É controverso, mas, na letra fria da lei, o decreto original que criou a Força-Tarefa não falava claramente em sigilo. Dizia apenas que "a Norma Geral de Ação será submetida à deliberação dos integrantes da Força-Tarefa de Inteligência para o enfrentamento ao crime organizado no Brasil e, na hipótese de ser aprovada, por maioria absoluta, será publicada no Diário Oficial da União por meio de Portaria do Ministro de Estado Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República".
Real Oficial: Portaria nº 2, de 7 de janeiro de 2019 (Gabinete de Segurança Institucional)
9) Contrabando é ilegal, não precisa nem avisar
O essencial: O presidente Jair Bolsonaro vetou, com recomendação do Ministério da Justiça, o trecho de um projeto aprovado pelo Congresso que determinava que os estabelecimentos que vendem cigarro e bebida alcoólica deveriam colocar uma placa com a frase "É crime vender cigarros e bebidas de origem ilícita. Denuncie!”. A argumentação legal para o veto merecia uma placa no gabinete de Paulo Guedes, o defensor do Estado mínimo: “A sobrecarga de deveres ao particular na condução da empresa pode redundar um risco ao livre exercício da atividade econômica". Não é só. Para o Ministério da Justiça, e concordância de Bolsonaro, a medida "não se mostra coerente com a lógica de desoneração que deve reger a relação do Estado para com os cidadãos".
Real Oficial: Razões de veto parcial à Lei nº 13.804, de 10 de janeiro de 2019
10) Instrução anti-Snowden
O essencial: O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, fez algumas alterações na Política de Segurança da Informação e Comunicações do Ministério da Defesa - basicamente o fluxo de comunicação de segredos de Estado que passam pelo ministério. Antes, era previsto apenas processo administrativo em caso de vazamento, por exemplo. Agora quem vazar ou infringir qualquer outra regra, como fazer uso indevido de credenciais de acesso a sistemas, estará sujeito a processo cível e penal. Isso vale não só para os militares, mas para estagiários, consultores, auditores e terceirizados em geral.
Real Oficial: Portaria Normativa nº 2/GM-MD, de 3 de janeiro de 2019
O que você ainda não sabe sobre a reforma ministerial
O primeiro ato de Jair Bolsonaro tirou do Senado a prerrogativa de aprovar os diretores do Dnit.
O Ministério da Educação vai focar muito na experiência de colégios militares. Foi criada uma Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares. O MEC agora prevê a adoção desse modelo de escolas "nos sistemas de ensino municipais, estaduais e distritais" a partir das práticas adotadas por colégios militares. Dentro disso, serão criados programas que considerem "valores cívicos, de cidadania e capacitação profissional necessários aos jovens".
Essa mesma subsecretaria também irá "propor e desenvolver" um modelo de "escola de alto nível" baseado nos padrões de ensino e modelos pedagógicos dos colégios militares, para os ensinos fundamental e médio. Esse modelo de alto nível, depois, será expandido para estados e municípios, mediante adesão voluntária.
As ações na área da educação básica passam a ter como objetivo a "adoção de padrões educacionais que vise ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Antes era apenas "adoção de padrão de qualidade social da educação básica".
A nova organização do Ministério da Educação abre caminho para o estabelecimento de metas e indicadores objetivos que vise a implementação efetiva das ações do ministério.
A nova ministra da Agricultura, Tereza Cristina, liberou a indicação de pessoas de fora do Ministério da Agricultura para comandar as superintendências federais. Antes, esses cargos eram exclusivos para servidores efetivos e era exigido, no mínimo, curso superior completo e conclusão de estágio probatório.
A secretaria de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura terá entre suas atribuições o "licenciamento ambiental" em terras indígenas e quilombolas. Ou seja, haverá ações que demandarão licença ambiental. Isso caberá, assim como as demarcações em si, ao Departamento de Identificação, Demarcação e Licenciamento.
O Departamento de Regularização Fundiária, do Ministério da Agricultura, terá bastante poder, por ser responsável por "normatizar" ações que revejam a estrutura e processos de políticas públicas envolvendo as diretrizes de reordenamento agrário.
A Secretaria de Governo fica responsável pela coordenação do PPI (grandes obras). Dentro dele, fica criada a Secretaria de Apoio ao Licenciamento Ambiental e Desapropriações. Nesse sentido, ficará a cargo direto da Secretaria de Governo o recebimento e análise de toda a documentação ambiental dos empreendimentos e a instrução do processo de licenciamento ambiental para posterior aprovação da “unidade competente” (Ministério do Meio Ambiente?). Também caberá a essa secretaria "apoiar os processos de desapropriação", "articular e propor soluções para entraves" nos licenciamentos e desapropriações e "propor aprimoramentos técnicos e normativos" para esses processos. Superpoderes para a secretaria do PPI.
Também fica criada na Secretaria de Governo a áre de Coordenação de Obras Estratégicas e Fomento, que terá, entre suas atribuições, "avaliar e propor medidas institucionais e regulatórias para viabilizar as obras e serviços de engenharia de interesse estratégico qualificados no PPI". Ou seja, o governo tem a intenção de mexer na regulação para garantir a execução de obras estratégicas.
O decreto que organizou a Secretaria de Governo abre brecha para que o ministro supervisione diretamente as atividades da EBC, passando por cima da Secom.
O Ministério do Meio Ambiente passa a apenas "apoiar", e não mais "estabelecer", corredores ecológicos e mosaicos de áreas protegidas. Abre margem para não haver novos corredores, portanto.
O MMA também definirá “indicadores de sustentabilidade” sobre atividades energético-mineradoras, industrial-urbanas e agrossilvopastoris. Na prática, o ministério irá definir a régua a ser usada nas medições. Será atribuição do Departamento de Desenvolvimento Sustentável, que será um setor bem importante dentro do ministério. Esse departamento vai também trabalhar na criação e apoio de formas de remuneração de serviços ambientais promovidos voluntariamente por empresas e produtores.